[CINEMA] ROGUE ONE (ou o pior filme de Star Wars de todos os tempos).



Se eu pudesse te dar um único conselho a você, fã ardoroso de Star Wars que dorme abraçado um travesseiro de waifu da Mara Jade (se você sabe quem ela é, esse conselho é para você), apenas uma dica para a vida é: não assista Rogue One. Sério. Você só vai se incomodar.

Rogue One é um péssimo filme de Star Wars. Não é aquela space opera bobinha que nos acostumamos a rir de sua comédia de erros, de vilões meio patetas como Kylo Ren e Boba Fett, de heróis chorões como Luke e Anakin. Rogue One não é uma história de bem contra o mal, ninguém empurra coisas com o poder da mente, tem um único sabre de luz o filme inteiro.

Então se você está esperando assistir Star Wars Episódio 7.5, nem tente. Não é isso que você vai encontrar.

Agora se por um acaso você tiver o suficiente em você para deixar o seu lado fanboy em casa e está com a mente aberta para um raro filme de guerra sci-fi, sem lado bom e lado mau, batalhas épicas porém cruéis (como cabe a natureza da guerra), se você está preparado para algo que lembra muito mais Halo Reach ou Sniper Americano do que as adoráveis pataquadas da família Skywalker, então neste caso, e neste caso apenas, sente aí.

Vamos conversar sobre um dos filmes mais legais de 2016.


ENQUANTO ISSO NA KANDAHAR ESPACIAL…

Eu entendi que eu não estava assistindo Star Wars logo na primeira grande cena de ação do filme. Soldados do Império patrulhavam as ruas com tanques que retransmitiam a mensagem a população local que “o Império é seu amigo e está te protegendo” enquanto soldados revistavam cidadãos com truculência desnecessária em busca de pistas sobre rebeldes terroristas.

Em paralelo a isso, duas facções rebeldes competiam entre si pelos mesmos objetivos, ambas mostrando os dentes uma para as outras em meio a uma cidade ocupada por uma força estrangeira invasora. Foi aí que eu entendi sobre o que esse filme realmente era.

Essa cena se passa na lua de Jedha, mas eu não vejo o menor motivo pelo qual não poderia estar se passando no Afeganistão. Ou no Iraque. Ou em qualquer buraco do mundo em que o “Império” trouxe “ordem e democracia” enquanto uma resistência dividida em grupos não exatamente aliados lutam contra isso. Soa familiar?

Não deixe as letrinhas azuis amigáveis “A muito tempo atrás em uma galáxia muito distante” te enganarem. Rogue One é um filme de guerra. Espere muito menos Duna e muito mais “O Resgate do Soldado Ryan“.




Quando um Star Destroyer estaciona em fila dupla sobre a sua cidade e não aparece um 
puto de um azulzinho pra multar, né?

O IMPÉRIO QUE ERA GENERICAMENTE MAU E OS REBELDES QUE ERAM GENERICAMENTE BONS

Uma coisa que sempre me incomodou na trilogia clássica de Star Wars é que o Império é o que eu chamo de “genericamente mau”. Isso quer dizer que eu sei que eles fazem coisas más porque alguém disse que eles são maus, mas em um nível mais profundo eles nunca fizeram nada que fosse realmente ruim.

Ok, Alderaan é destruída (spoiler!), mas isso não representa muita coisa para o espectador senão uma bola explodindo. Eu nunca vi ninguém de lá, sequer uma paisagem, não conheci um único alderaaniense que tenha morrido na destruição do planeta.

Aqui as coisas são diferentes: eu vi soldados do império atirando pessoas pobres contra a parede apenas porque a burocracia do Império estava pouco ou nada se fudendo. Os lugares que são destruídos pela Estrela da Morte (não vou dizer quais, mas basta saber que ela é usada sim) são lugares que eu vi com meus próprios olhos (e que gostaria de conhecer mais), que tinham personagens que eu conheci e até meio que gostei deles.

Ok, agora isso sim fala comigo em um nível emocional mais profundo.

Do mesmo modo, tudo que eu sabia sobre os rebeldes é que eles eram cara genericamente legais que lutavam por uma causa genericamente justa. Liberdade e tudo mais, mas sem ver a opressão que eles estavam sofrendo fica difícil se relacionar com a causa em si.

Agora o filme é quase inteiramente sobre isso, e para minha grande surpresa os rebeldes não são cavaleiros brancos da esperança. São basicamente sobreviventes de guerra, um saco de gatos compostos por assassinos, sabotadores, terroristas e soldados. Porque não é com discursos bonitos que luta uma guerrilha de resistência, é fazendo coisas das quais você não vai ter o menor orgulho.

Talvez no futuro as histórias lembrem deles como heróis galantes de belas batalhas justas, mas apenas não é assim que se faz uma resistência. Longe dos conflitos familiares que são a marca registrada da Space Opera, Rogue One é sobre a guerra ser dura, fria e a morte real. O que eles tem que fazer para enfrentar o Império não é nada bonito.




A Força é meu pastor e nada me faltará. E mesmo que eu ande pelo vale do tiro e do blaster, Stormtrooper algum me acertará!

O MELHOR JEDI DA SAGA INTEIRA E OUTRAS REFERENCIAS

Dá pra ver de longe que Gareth Edwards é um grande fã de Star Wars, porque ele trata os elementos icônicos da franquia como algo bastante místico. Não existe um único jedi no filme inteiro, no máximo temos um monge cego que é um sensitivo a Força – ou seja, ele não tem sabre de luz nem treinamento, apenas sente a força.

E sabe qual a coisa mais incrível disso? Ele trata a Força como religião!

Sim, os personagens do George Lucas já falaram sobre ter fé na Força diversas vezes, mas tirando o Yoda malucão do pântano e quem sabe o Ben Kenobi no primeiro filme, ninguém nunca pareceu levar a Força como o aspecto místico religioso que eles diziam ser da boca para fora.

Por isso mesmo o monge cego Chirrut é o melhor jedi de toda saga Star Wars no cinema no sentido do que nós imaginávamos o que um jedi deveria ser: muito mais um paladino religioso do que um guerreiro com poderes psíquicos.

Esse nível de cuidado, carinho e respeito as coisas de Star Wars estão presentes no filme inteiro. Por exemplo, quando os AT-AT aparecem no campo de batalha o som todo da cena modifica e você só pode pensar: “puta que pariu em chamas, fodeu e não foi pouco!”.

E isso se aplica também, é claro, ao personagem mais icônico de Star Wars. Darth Vader tem poucas cenas no filme, mas quando ele aparece finalmente é o Vader que sempre esperamos ver no campo de batalha. Guarde a sensação de “caralho, fodeu e não foi pouco” porque essa é a chave aqui. Parecido com o episódio VII, o filme presta muito respeito as coisas que crescemos amando. Só que não em excesso a ponto de se tornar uma paródia como infelizmente acontece com o filme de 2015, aqui a homenagem é mais no sentido de “caralho, isso é o que eu sempre quis ver mesmo”.


“Jyn, você não acha vão perceber seu disfarce por você ser como a mendiga mais bem maquiada da cidade?”

FALANDO EM PERSONAGENS…

Precisamos falar sobre a Jyn Erso. Infelizmente. Alguma coisa muito estranha aconteceu na edição desse filme porque todas as frases de efeito ou que denotavam o minimo de personalidade da Jyn foram limadas do filme. Eu gostei bastante daquela ideia de “rebelde até para os rebeldes” que os trailers apresentaram, só que isso não está no filme.

Na verdade tirando as partes mecânicas da coisa, não tem muito sobre a protagonista no filme. Ela vai do ponto A ao ponto B por razões do roteiro. Ok, isso funciona direitinho, mas meio que é só o que ela faz. Jyn é a filha do cientista que projetou a Estrela da Morte, e não é particularmente afiliada nem com os rebeldes nem com o Império. Ela entra nessa onda por razões pessoais e durante o filme ela tem razões para se desencantar tanto com a Aliança quanto com o Império (porque, como a maior parte das questões geopolíticas da vida real, o mais provável é que ambos os lados estejam errados), o que a leva a acabar fundando o seu próprio lado – daí o grupo Rogue One.

O que é bom, é legal, mas seria melhor ainda se ela tivesse a personalidade que está nos trailers e foi cortada dos filmes.

Se juntam ao grupinho dela o já citado monge cego (que sim, é uma referencia ao jedi de Force Unleashed – Gareth Edwards seu lindo) e o guarda-costas do monge (meio que uma mistura de Chewbacca com Drax), cuja química entre os dois é uma das coisas mais legais de se ver (ou não ver, no caso de Chirrut) e o piloto meio lesado que ficou assim depois de ter sido torturado, mas ele já não era a bolachinha mais brilhante do pacote antes.

Os outros dois protagonistas principais do filme: um veterano de guerra da aliança (Cassian Andor) que também teve muito da sua personalidade limada na edição final do filme. Eu não sei o que diabos aconteceu aí, de verdade.

O filme até constrói situações interessantes para Cassian, mas meio que falta alguma coisa para a química ir adiante, sabe?

Felizmente o mesmo não pode ser dito do androide K2SO. Claramente inspirado em um dos personagens mais legais do universo inteiro de Star Wars, o androide filho da puta HK-47 do jogo Knights of the Old Republic, K2 em nenhum momento tenta ser o “novo R2D2” ou algo que o valha.
Tem uma cena genial que alguém pede para ele conseguir os planos da base que eles estão invadindo, porque é meio o que dróides fazem em Star Wars, e ele apenas responde “É, devem estar por aí”. Repleto de personalidade e fazendo o alivio cômico do filme, K2 para mim é o personagem mais legal do filme.




Andadores imperiais! Andadores Imperiais! Trás a corda! Trás a corda!

OS HERÓIS QUE NÃO ESTAVAM LÁ

Uma das sacadas mais geniais que Gareth Edwards teve nesse filme é que os heróis dos filmes não são os heróis de Star Wars. Dã, óbvio. Mas não, talvez você não tenha parado para pensar no que isso implica realmente. As cenas de ação do filme são construídas para mostrar o quão apenas humanos os personagens são.

Tipo tem uma alavanca no meio do fogo cruzado que precisa ser movida. Oh, se ao menos tivéssemos um jedi para dar um empurrãozinho ali. Só que não tem. E empurrar a maldita alavanca é fazer um parto sem água limpa.

Tem um plano que precisa ser recuperado da base e um escudo abaixado. Oh, se ao menos tivéssemos o R2 ali ele já teria feito isso antes que qualquer um percebesse o que aconteceu. Só que não tem. E baixar a porcaria do escudo é mais difícil que parir um porco-espinho tendo convulsões.

Para se salvar os heróis precisam dar um misero pulinho de dois metros de altura, algo que qualquer padawan faz brincando. Só que ninguém ali é jedi, então subir aqueles dois metrinhos… entendeu onde eu quero chegar? Ninguém ali tem a liderança da Leia, pilota como o Han Solo ou é um wookie como o Chewbacca. E isso faz TODA DIFERENÇA DO MUNDO, o filme acerta em muito em se focar nisso.

De certa forma, Rogue One me lembra um pouco Torchwood. Para quem não sabe, Torchwood é um spin-off de Doctor Who sem o Doutor. Então a quarta temporada tem um arco enorme, dramático, repleto de sacrifício, dor e sofrimento para lidar com uns aliens que aparecem enquanto o irônico da situação toda é que se o Doutor estivesse ali, ele resolveria o problema em menos de meio minuto.

Esse é um dos maiores charmes que um spin-off pode ter, na minha opinião, mostrar que o que os personagens da série principal fazem corriqueiramente na verdade é uma tarefa épica e hercúlea quando tentada por meros mortais.



A ÚLTIMA IMPRESSÃO É A QUE FICA

Sendo um filme de guerra, Rogue One não poderia terminar sem uma grande batalha final. E especialmente para os filmes de guerra, esse é o seu momento mais dramático onde Rogue One acerta com todas as forças ao lembrar muito a sensação de Halo Reach. Aliás, Rogue One lembra muito Halo Reach em sua essência: um pequeno grupo de resistencia sua sangue e lágrimas para ter uma minuscula vitória que nem parece tão importante assim em meio a um massacre acachapante, mas esse pequeno fio de esperança conseguido com tanto esforço mudaria o rumo da guerra para sempre.

Todo mundo sabe como Rogue One termina: os rebeldes conseguem os planos da Estrela da Morte. Mas ao invés do “spoiler” estragar sua experiencia, ele a amplifica. Porque você sabe que todo sacrifício ali, toda luta e todo esforço será recompensado mesmo que não pareça.

É uma experiencia verdadeiramente tocante, fazendo de Rogue One um dos melhores filmes a levar o nome de Star Wars. Mesmo não sendo nenhum pouco Star Wars.

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