O genial George Orwell escreveu em sua obra prima de 1948 que 1984 seria um ano negro na história da humanidade. Ele não fazia idéia do quão certo estava, pois 1984 foi o ano sem videogames.
Entretanto, e essa série não teria razão de existir se não houvesse um “entretanto”. Havia uma esperança nascendo na terra do Sol nascente pois acontecia que no Japão os videogames iam muito bem, obrigado. A Nintendo havia acabado de lançar o seu Famicon e era uma coisa tão boa e tão incrível que as pessoas simplesmente bugavam de tanta felicidade.
Tendo rapidamente dominado o Japão com uma única onda avassaladora a Nintendo agora sabia que o seu próximo passo seria conquistar o mundo, só que o mundo não queria ser dominado. Não por videogames, não depois do fiasco da Atari.
E a Nintendo então fez o que um bom asiático faria sobre o assunto: pensou sobre o tema e chegou a uma solução genial. A Nintendo sabia o que NÃO devia fazer para acabar igual a Atari e o primeiro passo que eles tomaram foi criar o “Selo Nintendo de Qualidade”: apenas jogos previamente aprovados pela própria Nintendo poderiam ser jogaveis no seu Famicon – isso impediria a enchurrada de jogos asquerosos que foi uma das causas-mortis do Atari.
Assim eles inventaram o primeiro chip de bloqueio, mais ou menos como usado hoje em dia para combater a pirataria porém na época o objetivo da Nintendo era combater a lixaria mesmo. Outra medida para impedir a avalanche de jogos ruins foi que a Nintendo limitou as outras empresas que fariam jogos para o Famicon a apenas 5 titulos por ano dessa forma eles teriam que lapidar bem os seus jogos porque eram poucas balas na agulha para gastar.
O AVS apresentado pela Nintendo na CES de 1984 |
Com tudo armado e engatilhado, agora sim era hora do Famicon ganhar o mundo! E o mundo foi tentado quando na CES de 1984 (obviamente não havia uma E3 em 1984… meio porque não haviam videogames ainda, na verdade os videogames só vieram a ter a sua grande feira própria, a tal da E3, lá por volta de 96/97, até então eles usavam o espaço da Consumer Eletro Show de Los Angeles que ainda hoje é a maior feira de novidades eletro-eletronicas do mundo) o videogame foi apresentado e o inevitavel aconteceu!
Fama? Mulheres? Iates? Hmmm, não, tente mais… indiferença.
A reação das pessoas perante o monstrengo que a Nintendo apresentou na CES 84 |
As pessoas não queriam saber de videogame, não importava o quão bom ele prometesse ser ou quanto de controle de qualidade a Nintendo prometesse impor. O Famicon passou batido na feira e a Nintendo se reuniu em seu esconderijo em Hokaido (aprendi no Jaspion que todos os esconderijos ficam em Hokaido) para traçar seu plano maligno de dominar o mundo.
Eles precisavam vender videogames para um mundo que não queria ouvir falar na palavra videogames, como eles fariam isso? Bem, haviam duas abordagens que eles poderiam tentar:
A) Fazer um jogo tão incrível, tão estupendo, tão maravilhoso, tão genial que as pessoas esquecessem porque elas não gostavam de videogames
B) Vender videogames para as pessoas sem que elas soubessem que estão comprando videogames.
A Nintendo fez os dois.
E por incrível que pareça, a primeira parte era a mais fácil. Bem, talvez fácil não seja a palavra mas a verdade é que eles tinham um genio como Shigeru Miyamoto no seu time, tudo que eles precisavam era dar a tela e a aquarela para Miyamoto-san e não encher o saco dele. Como resultado, a Nintendo obteve sua obra prima.
Mesmo passados 30 anos desse jogo, Super Mario Bros é um jogo perfeitamente jogavel e gostoso mesmo pelos padrões de hoje e mesmo se desconsiderarmos o fator “nostalgia”. Com exceção dos gráficos, obviamente, não há nada que alguém poderia querer melhorar nesse jogo e isso não é criar uma obra-prima atemporal então eu não sei mais o que é.
Sabe, existem realmente poucos momentos como esse na história da humanidade. Quando Beethoven compos a 9a sinfonia, quando Michelangelo pintou a Capela Sistina, quando Maradona driblou sozinho todo time da Inglaterra, quando Michael Jackson gravou o album Thriller. E quando Shigeru Miyamoto fez Super Mario Bros.
São momentos assim que os planetas se alinham, os céus se abrem e o universo inteira ressona positivamente com um momento de uma obra-prima sendo criada. Momentos de pura arte e qualquer idiota que acha que a humanidade não faz nada de bom e que o mundo seria melhor aproveitado dominado pelas vacas é um coitado que nunca jogou a fase 1-1 de Super Mario Bros.
De fato já em 1985 quando a Nintendo começou seu longo e cansativo processo de bater de porta em porta dos grandes varejistas americanos para vender o seu videogame (agora remodernizado para o gosto americano e rebatizado de Nintendo Entertainment System, o NES) era convencer o gerente a jogar pelo menos a primeira fase do jogo mais fantástico de TODOS OS TEMPOS (até ali, pelo menos).
A reação das pessoas era mais ou menos essa:
Eu sei que a minha foi.
Mas de modo geral Super Mario Bros era algo diferente de tudo que as pessoas já haviam visto até então, a diferença do Atari para o NES era quase um salto do Super Nintendo para o Playstation 2. As cores, a trilha sonora, o sistema de fases, a jogabilidade (com personagens com peso e inércia), os itens escondidos, o sistema de power-ups, até então ninguém jamais havia visto nada como aquilo e pela primeira vez podia-se dizer que estavamos diante do que entendemos hoje.
Seja como for, Super Mario Bros ajudou a vender o NES para os lojistas americanos mas nem todos. Muita gente ainda não confiava em colocar a palavra videogame na vitrine. Felizmente, a Nintendo estava preparada para isso.
– Então, seu japones, seu videogame é muito bom e tal, mas no momento nós não estamos trabalhando com…
– Oh, no, no, Nintendo non videogame, né? No, Nintendo é acessódio de brinquedo-san, né?
– Não é um videogame? Como assim?
– Este é Rob, o roboto, né? NES ser apenas acessório para brincar com Rob Roboto, hai?
– Hãn… se é assim então…
E em uma jogada de marketing que humilharia Bill Gates, a Nintendo criou um robozinho chamado R. O. B. (que nunca deveria se casar sob hipotese alguma) para disfarçar o NES como um acessório para brincar com o Rob, o Robo. Assim o NES não era um videogame, não, não, era só um acessório de um brinquedo!
Esse migué extraordinário que Nintendo deu pode ter sido muito safado, mas serviu que foi uma beleza para colocar o NES nas prateleiras das grandes lojas como um brinquedo e não um, eca *cospe no chão* videogame.
Apenas dois jogos acabaram sendo desenvolvidos para o Rob, mas sua missão como cavalo de Troia já estava cumprida.
Houve um terceiro passo, esse o mais arriscado de todos. Se tudo mais falhasse, a Nintendo se propunha a recomprar todos os NES que não fossem vendidos assim o comerciante não estaria arriscando muita coisa. Essa era uma proposta ousada e perigosa, que poderia muito bem ter levado a Nintendo a falencia. Mas os japoneses sabiam o que estavam fazendo e a Nintendo nunca precisou desembolsar um único centavo com isso. Pelo contrário: o NES se tornou um dos maiores sucessos comerciais de todos os tempos e se esgotou rapidamente nas prateleiras.
Com o rígido controle de qualidade da Nintendo, e tendo Miyamoto embalando uma obra-prima atrás da outra (Zelda foi lançado em 1986, Metroid em 1987) o Nintendinho se tornou rapidamente o fenomeno economico e cultural que todos nós conhecemos hoje. Sendo abastecida por jogos como Megaman, Castlevania, Ducktales e Contra a Nintendo poderia apenas se deitar em cima dos louros e ver sua grana empilhar cada vez mais alto. Entretanto eles realmente sabiam o que estavam fazendo e decidiram trabalhar em cima de outro problema que havia destruído o Atari: no fim da era do Atari haviam tantos jogos sendo lançados que as pessoas não tinham como dizer se um jogo era bom ou não apenas pela capa, e esperar que os compradores comprassem na sorte … bem, todo mundo sabe como isso acabou para a Atari.
A Nintendo resolveu isso criando uma revista dedicada exclusivamente aos videogames: a Nintendo Power. Agora pela primeira vez a molecada podia ler sobre um jogo, ver fotos, opiniões e tudo mais para saber o que eles iriam querer. Adicionalmente a revista prestava um serviço de fanbase oferecendo suporte com detonados e dicas (sim, os macetes foram incluidos nos jogos a pedido da Nintendo para vender revistas, daí nasceram os códigos) alem de posters massivamente foderosos. A Nintendo Power nos deixou em dezembro de 2012, quando se juntou ao NES e ao R.O.B como a Santíssima Trindade que criou a indústria de games nos moldes que conhecemos hoje.
Os videogames haviam novamente tomado o mundo, baby, e dessa vez para ficar! Em 1990 mais de 30% dos lares americanos possuiam um Nintendinho, ao passo que apenas 23% das famílias tinham um computador. O sucesso do NES foi tão avassalador que seu último jogo licenciado foi em 1995 (quando já estamos na era do Playstation!) mas o aparelho continuou sendo produzido até 2003, sendo que a assistencia técnica no Japão defendeu o aparelho até 2007.
O NES pode descansar em paz hoje pois seu legado é nada menos que a própria existencia dos videogames.
Pode-se afirmar, sobre vários aspectos, que a Nintendo é a grande heroína da história dos videogames. Mas um grande herói não pode existir sem um grande rival a altura. O Batman precisa do Coringa, o Super-Homem precisa do Lex Luthor e o Mario precisa do Bowser. E para a jornada do herói ser completa a Nintendo precisava de um adversário a altura para desafia-la até o seu limite. Alguém que fizesse o que a Nintendo não podia…
A Nintendo havia colocado os videogames de volta no jogo. Agora ela descobriria que dois poderiam jogar esse jogo...