Onde a magia acontece

[A HISTÓRIA DOS VIDEOGAMES] Parte IV (SEGA: Here comes a new challenger!)

| quarta-feira, 5 de abril de 2017
... TO BE CONTINUED »


Como havíamos visto anteriormente, estamos nos anos 80 e a Nintendo havia reinventado sozinha o negócio dos videogames. Diabos mancos zombeteiros, com o NES e a revista Nintendo Power eles criaram o modelo de mercado que dura até hoje!

Todos estavam felizes, os jogos da Nintendo eram “delícia cara”, e a Nintendo havia aprendido todas as lições nas quais a Atari falhou miseravelmente. O que significa que não eram apenas os jogos, mas como lidar com o mercado e também como proteger legalmente seu produto.

Isso significava que, ao contrário do que aconteceu com o Atari, ninguém podia ir lá e lançar um “Mario genérico”, se quisessem teriam que fazer seus próprios jogos do zero. E como isso era puta trabalho, a Nintendo foi deixada em paz para ter seu monopólio de corações e dólares.

… por pouco tempo.



Era, de fato, muito dinheiro rolando nessa bagaça. O mercado de videogames competia pau a pau com o cinema e a música JUNTOS (verdade que permanece até os dias de hoje), e o único grande jogador desse nicho era uma empresa de fundo de quintal japonesa (por mais que amemos a Nintendo, economicamente ela nunca foi uma gigante). Se havia uma oportunidade a ser explorada, estava aí.

E alguns tentaram em competir com a Nintendo, mas falharam tão miseravelmente que seus nomes sequer entraram para os anais da história (sei que você deu um risinho agora por eu ter usado essa palavra, que coisa mais segunda série, viu…). Apenas uma companhia é digna de nota: uma empresa hawaiense migrada para o Japão, a SEGA.

Tentando competir com a Nintendo, a SEGA lançou alguns consoles com tanto sucesso quanto ator de pinto pequeno em filme pornô, embora um em específico tenha angariado um nível de sucesso que passou do zero: em 1986 foi lançado o SG-1000 Mark III. Master System, para os íntimos.



Verdade seja dita, o Master System tinha alguns bons jogos e algumas boas adaptações dos arcades. Acontecia, no entanto, que a Nintendo realmente havia se preparado com contingencias para este tipo de concorrência.

A primeira e mais importante era a qualidade dos jogos. Por mais que Alex Kidd fosse legal, entre escolher isso ou Mario a escolha era patentemente óbvia. Mas o mecanismo mais poderoso da Nintendo eram seus contratos de exclusividade (que, na época que foram criados, as empresas nem faziam ideia de que diferença faria, já que não existiam concorrentes mesmo), e basicamente as empresas que faziam jogos para a Nintendo eram proibidas de fazerem jogos para outros videogames.

Assim, a SEGA ficou empenhada com os jogos que ela própria produzia (irônico que quase 30 anos depois, essa seja EXATAMENTE a situação da Nintendo, karma is a bitch, huh?). O resultado foi patentemente óbvio.

A SEGA foi ESTRUPADA NA VELOCIDADE CINCO no Japão e nos Estados Unidos, e a companhia capitaneada pelo jovem Miyamoto sequer precisou erguer uma sobrancelha de preocupação com o Master System.



E poderia ter sido o fim da história, a Nintendo viveu feliz para sempre, mas a princesa estava em outro castelo. Só que não.

Quer dizer, você já ouviu falar do Master System. Provavelmente já teve um e conheceu muita gente que teve, então, como que esse abestado (eu, no caso) está dizendo que o Master System foi um fracasso, que mal merece ser mencionado no rodapé da história?

Ah, meus amigos e minhas lindas novinhas seduzentes, é aqui que entra o grande truque da SEGA.

De fato, o Master System havia sido dilacerado pelo NES no Japão e nos Estados Unidos. Mas a coisa engraçada do mundo é que, ao contrário do que os filmes de invasão aliens nos mostram, ele é muito mais do que apenas o Japão e os Estados Unidos.

Assim, a SEGA voltou suas forças para dois mercados GIGANTES que estavam sendo relegados ao oitavo plano: a Europa e o Brasil. Sim, você pode não pensar muito do nosso Pindorama, mas demograficamente é um mercado monstruoso, e no coração dos anos 80 vivendo uma carência tecnológica ferrenha (pode parecer absurdo, mas uma linha telefônica era ARTIGO DE LUXO que as pessoas esperavam ANOS para conseguir, e depois eram revendidas como bens, tipo casa e carro).



Em 1987, o Master System foi lançado na Europa, e em 1989 no Brasil, em parceria com a fabricante de brinquedos Tec Toy (já que o país tinha, e ainda tem, regras leoninas para importação de tecnologia, era mais jogo sabonetar o trabalho para uma empresa nacional).

Grande parte do sucesso da SEGA nestes mercados foi copiar as idéias que a Nintendo usava na América e no Japão, essa foi a grande sacada.

A gente nunca teve a Nintendo Hot Line (até teve, mas ANOS depois) ou a Nintendo Power aqui, mas a Tec Toy investia pesado em publicidade (pesado mesmo, tinha até o “Master Dicas” na Globo) e tinha a sua Hot Line.



Além disso, vários jogos eram adaptados, e isso na época era muita novidade. California Games foi relançado por aqui como “Jogos de Verão“. Que diferença faz? Bem, pergunte a uma criança que está vendo isso na prateleira!

Mas isso não foi tudo: Wonder Boy in Monster Land foi reprogramado para ser “Mônica no Castelo do Dragão” e Ghost House virou “Chapolin vs Drácula“. Phantasy Star foi completamente traduzido para o português!


Uau. Tipo. Uau. Mesmo.

Nós nunca recebemos esse tipo de atenção e carinho da Nintendo e ter um jogo da Mônica, jogar um RPG (que era bom, aliás) em português ou ter um jogo do Chapolin na prateleira quase compensava não ter Metroid ou Mega Man. Como uma criança que cresceu com um famiclone, tenho que dizer que a coisa do português do Master System chamava muita atenção.

Foi assim, através de criatividade e atenção com os mercados esquecidos pela Nintendo (posteriormente a Austrália entrou nesta lista, embora seus habitantes achassem qualquer jogo absurdamente fácil… porque nem jogar Contra sem poder atirar se compara a dar uma volta na quadra na Austrália, né?), que a SEGA conseguiu firmar seu lugar no mercado de games.



Mas o segundo colocado é apenas o primeiro dos perdedores. Era hora de ir atrás do prato principal.

Assim como a Nintendo aprendeu muito com os erros da Atari, a SEGA aprendeu muito tomando pau da Nintendo nos mercados principais, mas ownando nos mercados emergentes.

A primeira coisa que a SEGA aprendeu foi que precisava vencer a Nintendo nos contratos, se quisesse ter alguma chance. E, assim, o seu departamento legal suou bicas para rever algumas verdades do mercado, mas eles sabiam que não teriam a menor chance se as grandes empresas como Capcom ou Konami não pudessem lançar seus jogos para o console da SEGA.

A segunda coisa que a SEGA aprendeu foi que eles precisavam vencer a Nintendo. Não o mercado, não o tiozinho da esquina, não a batalha filosófica pela alma humana, nada disso. O problema deles era a Nintendo. A. NIN-TEN-DO.

A terceira coisa que a SEGA aprendeu foi que eles precisavam de jogos 20% mais legais que os da Nintendo. Se Shigeru Miyamoto era um deus criando jogos, então eles teriam que fazer um deus sangrar.

E foi o que a SEGA fez.



Em 1989, o SEGA Genesis (Mega Drive na Europa e aqui) começou com uma campanha de marketing sem meias palavras. Seu logo era: “GENESIS DOES WHAT NINTENDON’T” (sim, o trocadilho é tão brega quanto a música).

Seu design ostentava a expressão 16-bits em letras douradas, ao contrário do simplório NES, que era apenas 8-bits. Uau!

Mas o que são bits? Que diferença isso faz? Ninguém fazia a menor ideia na época, e pouca gente manja disso hoje, o que importava era que o Mega Drive era o DOBRO do Nintendinho… seja lá no que fosse, mas o DOBRO! Todo o marketing da SEGA era repleto de palavras desse tipo, que não significavam nada, mas pareciam muito incríveis (tipo “BLAST processing!“).



O controle do NES tinha dois botões? O Mega Drive tinha TRÊS BOTÕES! Chupem Nintendistas! TRÊS BOTÕES! HUEHUEHUE SEGA GENESIS MASTER RACE!





Se você acha que isso é infantilidade dos anos 90, saiba que o segundo Xbox da Microsoft se chama 360 e não "Xbox 2" porque ele ia competir com o Playstation 3 e a Microsoft não queria que os consumidores pensassem que o 3 é mais avançado que o 2, né?

Mas nenhuma banca ou marketing teria grande resultado se a SEGA não tivesse fichas para bancar sua aposta. E rapaz, eles tinham.

A capacidade de gráficos e processamento do Mega Drive era monstruosa comparada com o NES – embora muito se compare o SNES e o Mega Drive, o MD foi criado para competir com o NES, e isso foi uma lavada.

Além disso, a SEGA possuía uma biblioteca de respeito, com adaptações dos seus excelentes arcades como Outrun, Altered Beast, Ghouls’n Goblins, Golden Axe, Michael Jackson’s Moonwalker, After Burner e por aí vai. Faltava só uma coisa para a SEGA tomar o lugar da Nintendo definitivamente, apenas uma coisa: um carro chefe.

Um jogo tão bom e tão legal que se tornaria icônico, algo que pudesse rivalizar de igual pra igual com Mario e sua turma. Se a SEGA tivesse uma obra-prima para vender o seu videogame, então o mundo seria seu.

E uma obra-prima eles fizeram.

Sonic, the Hedgehog.

Sonic era um jogo como nunca havia se imaginado até então, e era quase uma versão cool (porque já estávamos nos anos 90, ser “maneiro” era a regra aqui) de Mario em todos os sentidos. Era rápido, era dinâmico, tinha um sistema de vidas maior, uma trilha sonora (inspirada) e muito vamo-que-vamo, era o jogo feito sob medida para a garotada dos anos 90.

Tanto que a tela inicial do jogo era o Sonic cheio de atitude fazendo “nã-nã-nã” com o dedo, era esse tipo de marra que ganhava a molecada na época! O jogo transpirava “sou descolado” por todos os poros!



A terceira parte do sucesso do Mega Drive foi a mais complicada de todas: eles precisavam arrebanhar as empresas para fazer jogos para o seu console. Mas como?

A SEGA se aproveitou da grande vantagem de não ser a dona do monopólio do mercado, e não ser a vencedora foi justamente o que lhe deu uma chance de vencer.

Até aquela altura a Nintendo meio que fazia o que bem queria com as empresas porque… bem, iam chorar para quem? Não gostou, era só lançar seu jogo na concorrência e… opa, não tem nenhuma!

Isso significava que a Nintendo se metia na produção dos jogos, na manufatura, na censura e principalmente na margem de lucro das empresas.

A SEGA ofereceu justamente aquilo que a Nintendo não oferecia: liberdade (e mais dinheiro).


Assim, agora as companhias não tinham mais um limite de jogos a serem lançados por ano, podiam manufaturar e distribuir os seus próprios cartuchos (o que trazia muita vantagem economicamente), e ter toda liberdade criativa que quisessem.

Não foi por nada que o primeiro Mortal Kombat saiu com sangue e fatalidades para o Mega Drive, enquanto a versão da Nintendo tinha apenas suor e execuções mais “família”.



 O plano da SEGA deu tão certo, que efetivamente eles venceram as vendas da Nintendo de 1990 até o ano de 1993.

Mas isso não quer dizer que durante esse tempo a Nintendo tenha ficado parada assistindo tudo com seu simplório NES. Ah, muito pelo contrário. A resposta da Nintendo ao ser desafiada não foi nada menos estrondosa.

Em sua base secreta em Hokaido (mundialmente conhecida por sua colônia de bases secretas), os executivos da Big N estalaram as articulações do pescoço, colocaram seus óculos escuros modafucking, e disseram que se a SEGA queria guerra, haveria guerra.



[A HISTÓRIA DOS VIDEOGAMES] Parte IV (SEGA: Here comes a new challenger!)

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POSTADO EM:quarta-feira, 5 de abril de 2017
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[A HISTÓRIA DOS VIDEOGAMES] Parte III (Nintendo e o império de 8 bits)

| terça-feira, 4 de abril de 2017
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O genial George Orwell escreveu em sua obra prima de 1948 que 1984 seria um ano negro na história da humanidade. Ele não fazia idéia do quão certo estava, pois 1984 foi o ano sem videogames.

Entretanto, e essa série não teria razão de existir se não houvesse um “entretanto”. Havia uma esperança nascendo na terra do Sol nascente pois acontecia que no Japão os videogames iam muito bem, obrigado. A Nintendo havia acabado de lançar o seu Famicon e era uma coisa tão boa e tão incrível que as pessoas simplesmente bugavam de tanta felicidade.

Tendo rapidamente dominado o Japão com uma única onda avassaladora a Nintendo agora sabia que o seu próximo passo seria conquistar o mundo, só que o mundo não queria ser dominado. Não por videogames, não depois do fiasco da Atari.


E a Nintendo então fez o que um bom asiático faria sobre o assunto: pensou sobre o tema e chegou a uma solução genial. A Nintendo sabia o que NÃO devia fazer para acabar igual a Atari e o primeiro passo que eles tomaram foi criar o “Selo Nintendo de Qualidade”: apenas jogos previamente aprovados pela própria Nintendo poderiam ser jogaveis no seu Famicon – isso impediria a enchurrada de jogos asquerosos que foi uma das causas-mortis do Atari.

Assim eles inventaram o primeiro chip de bloqueio, mais ou menos como usado hoje em dia para combater a pirataria porém na época o objetivo da Nintendo era combater a lixaria mesmo. Outra medida para impedir a avalanche de jogos ruins foi que a Nintendo limitou as outras empresas que fariam jogos para o Famicon a apenas 5 titulos por ano dessa forma eles teriam que lapidar bem os seus jogos porque eram poucas balas na agulha para gastar.

O AVS apresentado pela Nintendo na CES de 1984
Com tudo armado e engatilhado, agora sim era hora do Famicon ganhar o mundo! E o mundo foi tentado quando na CES de 1984 (obviamente não havia uma E3 em 1984… meio porque não haviam videogames ainda, na verdade os videogames só vieram a ter a sua grande feira própria, a tal da E3, lá por volta de 96/97, até então eles usavam o espaço da Consumer Eletro Show de Los Angeles que ainda hoje é a maior feira de novidades eletro-eletronicas do mundo) o videogame foi apresentado e o inevitavel aconteceu!

Fama? Mulheres? Iates? Hmmm, não, tente mais… indiferença.

A reação das pessoas perante o monstrengo que a Nintendo apresentou na CES 84

As pessoas não queriam saber de videogame, não importava o quão bom ele prometesse ser ou quanto de controle de qualidade a Nintendo prometesse impor. O Famicon passou batido na feira e a Nintendo se reuniu em seu esconderijo em Hokaido (aprendi no Jaspion que todos os esconderijos ficam em Hokaido) para traçar seu plano maligno de dominar o mundo.

Eles precisavam vender videogames para um mundo que não queria ouvir falar na palavra videogames, como eles fariam isso? Bem, haviam duas abordagens que eles poderiam tentar:

A) Fazer um jogo tão incrível, tão estupendo, tão maravilhoso, tão genial que as pessoas esquecessem porque elas não gostavam de videogames 
B) Vender videogames para as pessoas sem que elas soubessem que estão comprando videogames.

A Nintendo fez os dois.

E por incrível que pareça, a primeira parte era a mais fácil. Bem, talvez fácil não seja a palavra mas a verdade é que eles tinham um genio como Shigeru Miyamoto no seu time, tudo que eles precisavam era dar a tela e a aquarela para Miyamoto-san e não encher o saco dele. Como resultado, a Nintendo obteve sua obra prima.


Mesmo passados 30 anos desse jogo, Super Mario Bros é um jogo perfeitamente jogavel e gostoso mesmo pelos padrões de hoje e mesmo se desconsiderarmos o fator “nostalgia”. Com exceção dos gráficos, obviamente, não há nada que alguém poderia querer melhorar nesse jogo e isso não é criar uma obra-prima atemporal então eu não sei mais o que é.

Sabe, existem realmente poucos momentos como esse na história da humanidade. Quando Beethoven compos a 9a sinfonia, quando Michelangelo pintou a Capela Sistina, quando Maradona driblou sozinho todo time da Inglaterra, quando Michael Jackson gravou o album Thriller. E quando Shigeru Miyamoto fez Super Mario Bros.

São momentos assim que os planetas se alinham, os céus se abrem e o universo inteira ressona positivamente com um momento de uma obra-prima sendo criada. Momentos de pura arte e qualquer idiota que acha que a humanidade não faz nada de bom e que o mundo seria melhor aproveitado dominado pelas vacas é um coitado que nunca jogou a fase 1-1 de Super Mario Bros.

De fato já em 1985 quando a Nintendo começou seu longo e cansativo processo de bater de porta em porta dos grandes varejistas americanos para vender o seu videogame (agora remodernizado para o gosto americano e rebatizado de Nintendo Entertainment System, o NES) era convencer o gerente a jogar pelo menos a primeira fase do jogo mais fantástico de TODOS OS TEMPOS (até ali, pelo menos). 

A reação das pessoas era mais ou menos essa:


Eu sei que a minha foi. 

Mas de modo geral Super Mario Bros era algo diferente de tudo que as pessoas já haviam visto até então, a diferença do Atari para o NES era quase um salto do Super Nintendo para o Playstation 2. As cores, a trilha sonora, o sistema de fases, a jogabilidade (com personagens com peso e inércia), os itens escondidos, o sistema de power-ups, até então ninguém jamais havia visto nada como aquilo e pela primeira vez podia-se dizer que estavamos diante do que entendemos hoje. 






Seja como for, Super Mario Bros ajudou a vender o NES para os lojistas americanos mas nem todos. Muita gente ainda não confiava em colocar a palavra videogame na vitrine. Felizmente, a Nintendo estava preparada para isso.

– Então, seu japones, seu videogame é muito bom e tal, mas no momento nós não estamos trabalhando com… 
– Oh, no, no, Nintendo non videogame, né? No, Nintendo é acessódio de brinquedo-san, né?
– Não é um videogame? Como assim? 
– Este é Rob, o roboto, né? NES ser apenas acessório para brincar com Rob Roboto, hai?
 – Hãn… se é assim então… 




E em uma jogada de marketing que humilharia Bill Gates, a Nintendo criou um robozinho chamado R. O. B. (que nunca deveria se casar sob hipotese alguma) para disfarçar o NES como um acessório para brincar com o Rob, o Robo. Assim o NES não era um videogame, não, não, era só um acessório de um brinquedo!

"Compre esse robo incrível e super legal,
e essa arma de laser pew-pew-pew…
e de brinde vem esse sistema de entretenimento,
que totalmente não é um videogame,
mas já dissemos o quando o nosso robo é super legal?"
Esse migué extraordinário que Nintendo deu pode ter sido muito safado, mas serviu que foi uma beleza para colocar o NES nas prateleiras das grandes lojas como um brinquedo e não um, eca *cospe no chão* videogame.

Apenas dois jogos acabaram sendo desenvolvidos para o Rob, mas sua missão como cavalo de Troia já estava cumprida.

Houve um terceiro passo, esse o mais arriscado de todos. Se tudo mais falhasse, a Nintendo se propunha a recomprar todos os NES que não fossem vendidos assim o comerciante não estaria arriscando muita coisa. Essa era uma proposta ousada e perigosa, que poderia muito bem ter levado a Nintendo a falencia. Mas os japoneses sabiam o que estavam fazendo e a Nintendo nunca precisou desembolsar um único centavo com isso. Pelo contrário: o NES se tornou um dos maiores sucessos comerciais de todos os tempos e se esgotou rapidamente nas prateleiras.

E claro que se voce ver a biblioteca do NES vai perceber que 70%
dos jogos são lixos intragaveis. Aí voce começa a imaginar os jogos
que não foram aprovados pelo selo de qualidade da Nintendo,
e é aí que voce começa a ficar com medo.
Com o rígido controle de qualidade da Nintendo, e tendo Miyamoto embalando uma obra-prima atrás da outra (Zelda foi lançado em 1986, Metroid em 1987) o Nintendinho se tornou rapidamente o fenomeno economico e cultural que todos nós conhecemos hoje. Sendo abastecida por jogos como Megaman, Castlevania, Ducktales e Contra a Nintendo poderia apenas se deitar em cima dos louros e ver sua grana empilhar cada vez mais alto. Entretanto eles realmente sabiam o que estavam fazendo e decidiram trabalhar em cima de outro problema que havia destruído o Atari: no fim da era do Atari haviam tantos jogos sendo lançados que as pessoas não tinham como dizer se um jogo era bom ou não apenas pela capa, e esperar que os compradores comprassem na sorte … bem, todo mundo sabe como isso acabou para a Atari.



A Nintendo resolveu isso criando uma revista dedicada exclusivamente aos videogames: a Nintendo Power. Agora pela primeira vez a molecada podia ler sobre um jogo, ver fotos, opiniões e tudo mais para saber o que eles iriam querer. Adicionalmente a revista prestava um serviço de fanbase oferecendo suporte com detonados e dicas (sim, os macetes foram incluidos nos jogos a pedido da Nintendo para vender revistas, daí nasceram os códigos) alem de posters massivamente foderosos. A Nintendo Power nos deixou em dezembro de 2012, quando se juntou ao NES e ao R.O.B como a Santíssima Trindade que criou a indústria de games nos moldes que conhecemos hoje. 

Os videogames haviam novamente tomado o mundo, baby, e dessa vez para ficar! Em 1990 mais de 30% dos lares americanos possuiam um Nintendinho, ao passo que apenas 23% das famílias tinham um computador. O sucesso do NES foi tão avassalador que seu último jogo licenciado foi em 1995 (quando já estamos na era do Playstation!) mas o aparelho continuou sendo produzido até 2003, sendo que a assistencia técnica no Japão defendeu o aparelho até 2007.

O NES pode descansar em paz hoje pois seu legado é nada menos que a própria existencia dos videogames.


Pode-se afirmar, sobre vários aspectos, que a Nintendo é a grande heroína da história dos videogames. Mas um grande herói não pode existir sem um grande rival a altura. O Batman precisa do Coringa, o Super-Homem precisa do Lex Luthor e o Mario precisa do Bowser. E para a jornada do herói ser completa a Nintendo precisava de um adversário a altura para desafia-la até o seu limite. Alguém que fizesse o que a Nintendo não podia…

A Nintendo havia colocado os videogames de volta no jogo. Agora ela descobriria que dois poderiam jogar esse jogo...




[A HISTÓRIA DOS VIDEOGAMES] Parte III (Nintendo e o império de 8 bits)

THE STORY SO FAR: O genial George Orwell escreveu em sua obra prima de 1948 que 1984 seria um ano negro na história da humanidade. Ele não fazia idéia do quão...
POSTADO EM:terça-feira, 4 de abril de 2017
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[A HISTÓRIA DOS VIDEOGAMES] Parte II (Nintendo Begins)

| segunda-feira, 3 de abril de 2017
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FATO: Vocês sabiam que o nome original do Pac-Man era Puck Man? “Puck” é o nome do disco de hóquei (notavelmente o esporte coletivo mais chato de se assistir da história da humanidade) no qual o personagem foi baseado, me pergunto porque não encheram o mundo com cabines escritas "Puck" em locais frequentados por adolescentes...

Seja como for a série que provocou orgasmos e histerismo por onde passa, bem vindos a maravilhosa história dos videojogos!



NÃO O COMEÇO DO FIM, MAS O FIM DO COMEÇO

Como vimos em nosso inenarrável último episódio as coisas não estavam boas para os videojogos após a série gonorréica de cagadas da Atari e do mercado de games em geral.

1984 é o ano negro da história do videogame. Num piscar de olhos, o consumidor deixa de se interessar pelas máquinas de jogar. Por quê? As vendas de consoles caem vertiginosamente. Afinal, por que gastar US$150,00 num videogame, se um computador custa US$200,00? O computador também serve para atividades educacionais e muitas outras coisas. Além disso, as revistas especializadas ofereciam 4 ou 5 programas novos, inclusive jogos, a cada edição.

Já no final de 83, empresas não ligadas ao mundo dos jogos de videogame começam a entrar em contato com softhouses para criarem jogos promocionais. Até barraca de cachorro-quente quer um jogo que valorize a marca para usar como material de divulgação. Mas os games produzidos eram horríveis e o público, cansado desse joguinho de marketing, perde o interesse por jogos.

Felizmente os videogames aprenderam sua lição e isso
jamais voltou a acontecer.
As pessoas diziam em 1984, não sem uma boa dose de razão, que quem fosse em investir em algo sem futuro como videogames deveria ser um doido varrido que também faria coisas como escrever da esquerda para direita ou tomar banho sentado. E eles não podiam estar mais certos.

Vamos pegar nosso aviãozinho imaginario do Street Fighter II e viajar no tempo e no espaço até o outro lado do mundo. Vou fazer uma pausa para você lembrar o som.

Duas coisas muito importantes aconteceram na última semana de setembro de 1889: a Convenção Geral de Pesos e Medidas definiu como “metro” a distancia entre duas linhas em uma barra padrão de aluminio com 10% irídio, medidas no ponto de derretimento do gelo. Agora você sabe, e saber é metade da batalha.

A outra coisa importante que aconteceu foi que no dia 23 de setembro do ano de 1889 em Kyoto um japa muito simpático chamado Fusajiro Yamauchi abriu uma loja de cartas para um jogo chamado Hanafuda. Naquela época os japoneses eram uns babacas xenofobos (totalmente diferente de hoje, claro) e uma das consequencias é que jogos de cartas estrangeiros eram completamente banidos, incluindo aí o Hanafuda (que era uma variação do Zanga, que é um jogo tão complicado que mesmo RPGistas com seus livros de regras de 300 páginas não se metem com ele). Acontece que Fusajiro viu aí uma oportunidade de fazer dinheiro onde ninguém mais via: sua loja vendia cartas de Hanafuda artisticamente pintadas a mão, assim mesmo que você não jogasse o jogo ainda poderia comprar as cartas para decoração ou impressionar sua gueixa favorita e prometer tira-la dessa vida, algo assim.

E sabe de quem caiu no gosto por essas cartas? A Yakuza. Ora, uma reunião de mafiosos não é uma reunião de mafioso em nenhum lugar do mundo sem gangsters tatuados mal encarados jogando cartas em uma sala mal iluminada. E se estas cartas forem pequenas obras de arte de um jogo proibido pelo governo, bonus de estilo gangsta! E a mafia é tudo sobre estilo, afinal. E tomar dinheiro das pessoas por intimidação, eu acho.



E assim graças a Yakuza os jogos de Hanafuda voltaram a moda e por tabela a loja de Fusajiro se popularizou imensamente. Porque você acha que isso de pagar pau pras modinhas dos "vidaloka" é coisa de hoje?

Seja como for, videogames só existem hoje graças a máfia japonesa, quem diria, não?

Durante os próximos 80 anos a Nintendo procurou sem sucesso um ramo para expandir os seus negócios, e olha que eles tentaram: a Nintendo tentou com uma rede de TV, uma companhia alimentícia – que tentou vender arroz instantâneo, no estilo do macarrão instantâneo – e até mesmo uma cadeia de motéis. Eu simplesmente não sei nem por onde começar com a quantia de piadas que podem ser feitas disso, mas tenho fé na sua inteligência.

Nos anos 60 a Nintendo estava praticamente falida afinal era uma fucking empresa que vendia baralhos, o quão financeiramente saudável pode ser esse negócio? (Você fique quieta, Copag). O primeiro grande e verdadeiro sucesso da empresa veio com a Ultra Hand, uma mão bionica bagaceira desenvolvida por um dos seus engenheiros de manutenção nas horas vagas. O sucesso da Ultra Hand fez a Nintendo acreditar que o futuro para sua salvação estava no setor de brinquedos – e pelos antigos deuses e pelos novos, não é como se eles não tivessem tentado de tudo mesmo até aquele ponto.

É Nintendo ou nada!

Como a política da Nintendo era topar qualquer coisa desde que a mantivesse viva, não foi sem surpresa que ela decidiu arriscar e ser a distribuidora do Magnavox Odyssey no Japão. E como já citado anteriormente, o primeiro videogame do mundo era uma merda e nem mesmo o gosto altamente peculiar dos japoneses era páreo para isso.

Quando você é rejeitado em um país em que existe a calcinha jeans,
você sabe que não era para ser.
Entretanto a Nintendo viu um potencial nesse ramo e continuou batendo nessa tecla de “tralhas eletronicas para a família” e você já pode começar a imaginar onde nisso vai terminar. Após muitas tralhas que fariam qualquer loja de 1,99 sentir vergonha (como um infame “amorometro”), a Nintendo acabou se metendo a fazer arcades também entretanto havia um grande problema nisso: a Nintendo tinha tanto talento para fazer jogos quanto tinha para gerenciar uma rede de moteis e seus arcades eram notoriamente HORRÍVEIS.

Ok, você pode achar que eu estou exagerando, então me pertmita te apresentar o EVR RACE, que era um "jogo" onde tinha uma duzia de corridas pré-gravadas e até 5 “jogadores” podiam apostar em quem ia ganhar. Uau, exatamente o que as crianças estava esperando para torrar o dinheiro de suas mesadas, hã? Depois esses putos vão a falência e não sabem o porque…

Esse era o nível da coisa...
O destino da Nintendo no ramo de games era tão brilhante quanto havia sido em tudo até então, não fosse o fato que o destino certo dia olhou bem para os caras e disse: “Ah, quer saber? É hoje!”.

Aconteceu que na época Hiroshi Amauchi era o presidente da Nintendo e um amigo de um amigo dele conseguiu um carteiraço para que o filho dele, recém-formado em artes, tivesse uma boquinha na empresa – e você achando que os japoneses não faziam esse tipo de patifaria, né?

Bem, o que uma empresa que se focava em arcades e brinquedos eletrônicos faria com um cara recém-formado em, pff, design industrial? Sério, pra que diabos contrataram um wannabe artista, além do fato do presidente fazer uma média com seus chegados? Por isso colocam o cara para pintar as laterais dos arcades da empresa, já que ele era um “artista”, né?

Sabe, até aquela época jogos eram feitos por nerds cabeçudos quase individualmente de forma bastante técnica. Você tinha uma ideia, ia lá, programava, e tava feito o seu jogo. Não existiam coisas como “arte conceitual” ou um pensamento mais profundo de um artista de verdade, ninguém nunca havia feito algo assim antes... ou mesmo depois, videogames ainda não são conhecidos por serem uma expressão de arte ou quererem passar qualquer coisa realmente... De toda forma, agora a Nintendo tinha um artista na sua folha de pagamento de qualquer maneira…

Como o cara estava de bobeira por lá mesmo começou a dar sugestões nos conceitos de jogos que via seus colegas trabalhando – idéias que só podiam vir de alguém que não entendia absolutamente nada de programação. E os palpites dele começaram a fazer com que os jogos ficassem exponencialmente melhores e isso fez com que ele fosse levado para o departamento de planejamento.

Naquele ano, em 1980, a Nintendo estava embuchada com dezenas de arcades de um clone genérico de Space Invaders que eles havam feito chamado Radar Scope que havia sido mais um “próximo grande sucesso fracassado” da empresa. Como não tinha mais o que fazer com aqueles arcades o presidente decidiu tentar não ter uma perda total e converter o equipamento em algum outro jogo para arrancar o maximo de lucro daquelas porcarias com o menor esforço possível, mas como não era um projeto realmente importante (era mais um “ah, melhor que nada, né…”) a Nintendo jogou para o único noob vadiando que tinha por lá, justamente o nosso “artista” em questão.

Um tal de Shigeru Miyamoto, alias.

Que totalmente será interpretado pelo Willem Dafoe na
biografia da sua vida
E mesmo que fosse um projeto da décima oitava prioridade de uma empresa pequena, pela primeira vez Miyamoto tinha carta branca para criar qualquer coisa que ele quisesse. Ele finalmente poderia fazer “arte”, e efetivamente “arte” ele fez.

Juntando meia dúzia de conceitos diferentes (King Kong, Popeye, A Bela e a Fera) e trabalhando com as limitações técnicas da época (o herói teria que usar um boné porque não tinha como fazer a animação do cabelo dele balançando quando ele pulava, por exemplo), Miyamoto dirigiu (e aqui pela primeira vez se usou a palavra “diretor” para um jogo, porque Miyamoto pessoalmente não entendia muito de programação e ele mais coordenou a equipe do que outra coisa) um arcade que viria a ser conhecido como “Donkey Kong”.

BOOM.

Conhece o Jumpman?

Sucesso. Fama. Iates. Mansões. Mulheres. Cem mil dolares.

Pela primeira vez o mundo parava para ver quem diabos eram esses japoneses dessa tal de Nintendo porque o jogo deles não era nada como havia sido visto até então. Não era um jogo de tiro, não era um labirinto nem nada do tipo, era… era… o que diabos era aquilo? Era um novo gênero de jogo? E podia se fazer isso?

Bem, não importava realmente: Donkey Kong foi primeiro grande sucesso da Nintendo.

O protagonista do jogo, o carpinteiro pulador, era chamado apenas de “Jumpman” (por motivos obvios) e a princesa a ser resgatada não tinha nome. Como a Nintendo da América achou isso bastante pouco atraente decidiu chamar a princesa de Pauline (em homenagem a esposa do presidente da Nintendo of America, Pauline James) e o carpinteiro saltador foi rebatizado em homenagem ao dono do depósito que a Nintendo usava para armazenar suas coisas, Mario Segale. Assim nasceram Pauline (que posteriormente viraria “Peach”) e Mario.

Após trabalhar em mais algumas continuações de Donkey Kong (Donkey Kong Jr é o meu favorito, em que você controla o filho do gorila para salva-lo das garras do terrível Mario) Miyamoto foi chamado para conversar pelo presidente da Nintendo: a companhia tinha um projeto ambicioso e precisam de seu melhor homem para faze-lo dar certo.

A Nintendo tinha a idéia de lançar o seu próprio videogame, um computador para a família (daí o nome “Famicom”) mas sabia que o projeto não iria para a frente se não tivesse como carro chefe um jogo diferente de qualquer coisa que as pessoas sequer houvessem imaginado em seus sonhos mais loucos (e olha que os anos 70 mal tinham terminado, as pessoas imaginavam coisas bem loucas ainda). Em outras palavras, o Famicom só iria pra frente se tivesse algo único e inovador, sua única chance era apagar a imagem ruim que a Atari havia deixado com um jogo tão bom que faria as pessoas implodirem só de ve-lo.

O que eles precisavam era apenas o melhor jogo de todos os tempos já feito até então. Apenas isso. 

Felizmente, eles tinham o homem certo para o trabalho…



FUN FACT: Vocês sabiam que o nome original do Pac-Man era Puck Man? “Puck” é o nome do disco de hóquei no qual o personagem foi baseado, me pergunto porque não encheram o mundo com cabines escritas "Puck" em locais frequentados por adolescentes...

Quando George Orwell escreveu que 1984 seria o ano que simbolizaria a desesperança e a queda do espírito da humanidade, ele não tinha como fazer ideia do quão certo ele estaria. No último episódio da nossa viagem videogamistica no tempo paramos em 1984, o ano em que os videogames eram lembrados apenas como "aquela modinha meio lame que passou e podemos não mais falar sobre isso tipo nunca mais?". as coisas não estavam boas para os videojogos após a série gonorréica de cagadas da Atari e do mercado de games em geral.
 
1984 é um ano tão terrível para o mundo do entretenimento, que para evitar uma onda coletiva de depressão e ansiedade social eu preciso lembra-los que duas coisas boas vieram desse nefasto e sombrio ano. A primeira é que apesar dos videogames terem batido suas botas digitais, foi o ano que tivemos filmes como Um Tira da Pesada, Caça-Fantasmas, Gremlins e Loucademia de Policia. Então definitivamente foi um bom ano para se divertir mesmo sem videojogos. A segunda boa coisa que aconteceu em 1984 foi que o pequeno e adorável bebê Dogoncio veio ao mundo, então definitivamente havia esperança para a humanidade. Mas quanto aos videogames, bem, esses realmente se foram e não há nada para ser contado aqui.

Tão nada, de fato, que vamos pegar nosso aviãozinho imaginário do Street Fighter 2 e viajar no tempo e no espaço para uma época mais simples, onde as sombras da catastrofe da Atari não nos alcançarão. Vou fazer uma pausa para você lembrar o som daquele aviãozinho.



Voltamos agora quase cem anos no tempo, e estamos em 1889. Não, eu não escrevi errado, é mil OITOCENTOS e oitenta e nove.
 
Duas coisas muito importantes aconteceram na última semana de setembro de 1889: a Convenção Geral de Pesos e Medidas definiu como “metro” a distancia entre duas linhas em uma barra padrão de aluminio com 10% irídio, medidas no ponto de derretimento do gelo. Agora você sabe, e saber é metade da batalha.
 
A outra coisa importante que aconteceu foi que no dia 23 de setembro do ano de 1889 em Kyoto um japa muito simpático chamado Fusajiro Yamauchi abriu uma loja de cartas para um jogo chamado Hanafuda.

HANAFUDA É A MÃE, MEU CHAPA!

Então... imagino que para realmente entender essa história temos que voltar ainda mais no tempo, até o século XVI mais precisamente. Nessa época as grandes navegações portuguesas eram a coisa mais quente do pedaço, os marinheiros portugueses não levavam e traziam especiarias, vinho e doenças sexualmente transmissiveis dos quatro cantos do mundo. Frequentemente, eles levavam missionários. Como Francisco de Jasso Azpillicueta Atondo y Aznares, popularmente conhecido mais tarde como Francisco Xavier.

ESPERA, FRANCISCO XAVIER... COMO EM "SÃO FRANCISCO XAVIER"? ACHEI QUE ESSA ERA UMA SÉRIE SOBRE VIDEOGAMES

E é. Uma das coisas pelas quais São Francisco ficou mais famoso em vida foi sua tentativa de levar o cristianismo a Ásia, em especial ao Japão. Isso teve grandes implicações na história, mas a parte que importa para esse texto é que enquanto o cristianismo nunca realmente converteu o Japão como São Francisco desejava, outras coisas "pegaram" bem mais. Como jogos de cartas que os marinheiros jogavam.

Um desses jogos de cartas que os marinheiros portugueses trouxeram ficou conhecido pelos japoneses como "Koi-Koi", mas a parte realmente importante pra nossa história é que ele usava um baralho especial de cartas com desenhos, conhecida como "Hanafuda" (que literalmente significam "Cartas de Flores"). As regras são... hã... olha, jogos de carta não são exatamente o meu forte, mas vou postar uma explicação aqui só pra não dizer que eu nunca posto nada de útil:

https://youtu.be/PB94VwGc89U

De qualquer forma, é óbvio ululante que o governo japonês não ficou nada feliz com esses estrangeirismo invadindo o seu país e a história do jogo de cartas no Japão tem idas e vindas da legalidade. O que importa aqui é que em 1889 o jogo em si não era ilegal, mas jogar a dinheiro era. 

E se existe uma coisa proibida pelo governo, é óbvio que tem alguém ganhando uma grana em cima no submundo. Isso é verdade no Brasil hoje, foi verdade no Japão em 1889 e será verdade em Alpha Centauri no ano 25.789. Com efeito, apostas ilegais em jogos de cartas foi um dos pilares que sustentou o inicio da formação da mafia japonesa, mais conhecida como Yakuza.

HÃ, MUITO LEGAL ISSO DE SANTOS E DA YAKUZA, MAS VC SABE QUE OS VIDEOGAMES NÃO SERÃO INVENTADOS POR QUASE CEM ANOS E NÃO TEM NADA HAVER COM ISSO, NÉ?

Então, na verdade tem tudo haver. Lembra do Fusajiro Yamauchi que eu citei lá no começo? Então, ele não era apenas um vendedor de cartas, ele era um artista. Ele pintava a mão as próprias cartas, e ele era realmente bom pra caceta nisso.

Agora vamos juntar as coisas: a Yakuza tinha um negócio que envolvia usar essas cartas, e usar uma grande quantidade delas toda noite. Para evitar acusações de que as cartas estavam marcadas e alguém sacasse sua katana para transformar a coisa toda numa cena de filme do Tarantino, praticamente um baralho novo era aberto a cada partida. 

E Yamauchi era um dos melhores fabricantes de cartas de uma das maiores cidades do Japão. Logo, a Yakuza era buddy dele e o que sustentou seu negócio durante anos, até mesmo gerações foi japonesões tatuados mal encarados visitando sua lojinha de cartas.

HISTÓRIA LEGAL, MAS EU AINDA NÃO VEJO O QUE A YAKUZA SUSTENTANDO UMA LOJA DE CARTAS TEM HAVER COM...

... essa pequena empresa que era brother da Yakuza tinha um nome, saiba você. Ela se chamava NINTENDO.




 
 
 
E assim graças a Yakuza os jogos de Hanafuda voltaram a moda e por tabela a loja de Fusajiro se popularizou imensamente. Porque você acha que isso de pagar pau pras modinhas dos "vidaloka" é coisa de hoje?
 
Seja como for, videogames só existem hoje graças a máfia japonesa, quem diria, não?
 
Durante os próximos 80 anos a Nintendo procurou sem sucesso um ramo para expandir os seus negócios, e olha que eles tentaram: a Nintendo tentou com uma rede de TV, uma companhia alimentícia – que tentou vender arroz instantâneo, no estilo do macarrão instantâneo – e até mesmo uma cadeia de motéis. Eu simplesmente não sei nem por onde começar com a quantia de piadas que podem ser feitas disso, mas tenho fé na sua inteligência.
 
Nos anos 60 a Nintendo estava praticamente falida afinal era uma fucking empresa que vendia baralhos, o quão financeiramente saudável pode ser esse negócio? (Você fique quieta, Copag). O primeiro grande e verdadeiro sucesso da empresa veio com a Ultra Hand, uma mão bionica bagaceira desenvolvida por um dos seus engenheiros de manutenção nas horas vagas. O sucesso da Ultra Hand fez a Nintendo acreditar que o futuro para sua salvação estava no setor de brinquedos – e pelos antigos deuses e pelos novos, não é como se eles não tivessem tentado de tudo mesmo até aquele ponto.
 
É Nintendo ou nada!
 
Como a política da Nintendo era topar qualquer coisa desde que a mantivesse viva, não foi sem surpresa que ela decidiu arriscar e ser a distribuidora do Magnavox Odyssey no Japão. E como já citado anteriormente, o primeiro videogame do mundo era uma merda e nem mesmo o gosto altamente peculiar dos japoneses era páreo para isso.

Quando você é rejeitado em um país em que existe a calcinha jeans,
você sabe que não era para ser.
 
Entretanto a Nintendo viu um potencial nesse ramo e continuou batendo nessa tecla de “tralhas eletronicas para a família” e você já pode começar a imaginar onde nisso vai terminar. Após muitas tralhas que fariam qualquer loja de 1,99 sentir vergonha (como um infame “amorometro”), a Nintendo acabou se metendo a fazer arcades também entretanto havia um grande problema nisso: a Nintendo tinha tanto talento para fazer jogos quanto tinha para gerenciar uma rede de moteis e seus arcades eram notoriamente HORRÍVEIS.
 
Ok, você pode achar que eu estou exagerando, então me pertmita te apresentar o EVR RACE, que era um "jogo" onde tinha uma duzia de corridas pré-gravadas e até 5 “jogadores” podiam apostar em quem ia ganhar. Uau, exatamente o que as crianças estava esperando para torrar o dinheiro de suas mesadas, hã? Depois esses putos vão a falência e não sabem o porque…
 
Esse era o nível da coisa...
O destino da Nintendo no ramo de games era tão brilhante quanto havia sido em tudo até então, não fosse o fato que o destino certo dia olhou bem para os caras e disse: “Ah, quer saber? É hoje!”.
 
Aconteceu que na época Hiroshi Amauchi era o presidente da Nintendo e um amigo de um amigo dele conseguiu um carteiraço para que o filho dele, recém-formado em artes, tivesse uma boquinha na empresa – e você achando que os japoneses não faziam esse tipo de patifaria, né?
 
Bem, o que uma empresa que se focava em arcades e brinquedos eletrônicos faria com um cara recém-formado em, pff, design industrial? Sério, pra que diabos contrataram um wannabe artista, além do fato do presidente fazer uma média com seus chegados? Por isso colocam o cara para pintar as laterais dos arcades da empresa, já que ele era um “artista”, né?
 
Sabe, até aquela época jogos eram feitos por nerds cabeçudos quase individualmente de forma bastante técnica. Você tinha uma ideia, ia lá, programava, e tava feito o seu jogo. Não existiam coisas como “arte conceitual” ou um pensamento mais profundo de um artista de verdade, ninguém nunca havia feito algo assim antes... ou mesmo depois, videogames ainda não são conhecidos por serem uma expressão de arte ou quererem passar qualquer coisa realmente... De toda forma, agora a Nintendo tinha um artista na sua folha de pagamento de qualquer maneira…
 
Como o cara estava de bobeira por lá mesmo começou a dar sugestões nos conceitos de jogos que via seus colegas trabalhando – idéias que só podiam vir de alguém que não entendia absolutamente nada de programação. E os palpites dele começaram a fazer com que os jogos ficassem exponencialmente melhores e isso fez com que ele fosse levado para o departamento de planejamento.
 
Naquele ano, em 1980, a Nintendo estava embuchada com dezenas de arcades de um clone genérico de Space Invaders que eles havam feito chamado Radar Scope que havia sido mais um “próximo grande sucesso fracassado” da empresa. Como não tinha mais o que fazer com aqueles arcades o presidente decidiu tentar não ter uma perda total e converter o equipamento em algum outro jogo para arrancar o maximo de lucro daquelas porcarias com o menor esforço possível, mas como não era um projeto realmente importante (era mais um “ah, melhor que nada, né…”) a Nintendo jogou para o único noob vadiando que tinha por lá, justamente o nosso “artista” em questão.
 
Um tal de Shigeru Miyamoto, alias.
 
Que totalmente será interpretado pelo Willem Dafoe na
biografia da sua vida
 
E mesmo que fosse um projeto da décima oitava prioridade de uma empresa pequena, pela primeira vez Miyamoto tinha carta branca para criar qualquer coisa que ele quisesse. Ele finalmente poderia fazer “arte”, e efetivamente “arte” ele fez.
 
Juntando meia dúzia de conceitos diferentes (King Kong, Popeye, A Bela e a Fera) e trabalhando com as limitações técnicas da época (o herói teria que usar um boné porque não tinha como fazer a animação do cabelo dele balançando quando ele pulava, por exemplo), Miyamoto dirigiu (e aqui pela primeira vez se usou a palavra “diretor” para um jogo, porque Miyamoto pessoalmente não entendia muito de programação e ele mais coordenou a equipe do que outra coisa) um arcade que viria a ser conhecido como “Donkey Kong”.
 
BOOM.
 
Conhece o Jumpman?
 
Sucesso. Fama. Iates. Mansões. Mulheres. Cem mil dolares.
 
Pela primeira vez o mundo parava para ver quem diabos eram esses japoneses dessa tal de Nintendo porque o jogo deles não era nada como havia sido visto até então. Não era um jogo de tiro, não era um labirinto nem nada do tipo, era… era… o que diabos era aquilo? Era um novo gênero de jogo? E podia se fazer isso?
 
Bem, não importava realmente: Donkey Kong foi primeiro grande sucesso da Nintendo.
 
O protagonista do jogo, o carpinteiro pulador, era chamado apenas de “Jumpman” (por motivos obvios) e a princesa a ser resgatada não tinha nome. Como a Nintendo da América achou isso bastante pouco atraente decidiu chamar a princesa de Pauline (em homenagem a esposa do presidente da Nintendo of America, Pauline James) e o carpinteiro saltador foi rebatizado em homenagem ao dono do depósito que a Nintendo usava para armazenar suas coisas, Mario Segale. Assim nasceram Pauline (que posteriormente viraria “Peach”) e Mario.
 
Após trabalhar em mais algumas continuações de Donkey Kong (Donkey Kong Jr é o meu favorito, em que você controla o filho do gorila para salva-lo das garras do terrível Mario) Miyamoto foi chamado para conversar pelo presidente da Nintendo: a companhia tinha um projeto ambicioso e precisam de seu melhor homem para faze-lo dar certo.
 
A Nintendo tinha a idéia de lançar o seu próprio videogame, um computador para a família (daí o nome “Famicom”) mas sabia que o projeto não iria para a frente se não tivesse como carro chefe um jogo diferente de qualquer coisa que as pessoas sequer houvessem imaginado em seus sonhos mais loucos (e olha que os anos 70 mal tinham terminado, as pessoas imaginavam coisas bem loucas ainda). Em outras palavras, o Famicom só iria pra frente se tivesse algo único e inovador, sua única chance era apagar a imagem ruim que a Atari havia deixado com um jogo tão bom que faria as pessoas implodirem só de ve-lo.
 
O que eles precisavam era apenas o melhor jogo de todos os tempos já feito até então. Apenas isso. 
 
Felizmente, eles tinham o homem certo para o trabalho…

[A HISTÓRIA DOS VIDEOGAMES] Parte II (Nintendo Begins)

THE STORY SO FAR: FATO: Vocês sabiam que o nome original do Pac-Man era Puck Man? “Puck” é o nome do disco de hóquei (notavelmente o esporte coletivo mais cha...
POSTADO EM:segunda-feira, 3 de abril de 2017
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