Chroma Squad (ou vamos Change!)

| sexta-feira, 27 de novembro de 2015
Antes de tudo, antes de qualquer coisa, eu gostaria de dizer o seguinte: "Um dia cinco crianças foram raptadas da Terra e levadas para os confins do universo. E após vinte anos...". Ok, agora que eu disse isso podemos continuar.

Nostalgia é uma coisa engraçada. Na maior parte do tempo o melhor que consegue é me fazer erguer as sobrancelhas com descaso e pensar "ok, vocês já estão avisando que não vão se esforçar, entendi". Mas de vez em quando, uma vez em muito, cada dia em um milhão de dias, quando o vento sopra favorável e o Doutor vem ajudar, a nostalgia funciona como deveria.

Chroma Squad é um jogo feito pela produtora brasileira Behold Studios, e essa é uma parte importante do processo. Normalmente se destaca uma desenvolvedora ser brasileira pelos motivos errados e pelos quais eu não poderia me importar menos, mas aqui é totalmente relevante porque é uma experiência única que nenhuma desenvolvedora americana ou japonesa poderia me dar. A sensação de "hey, eu cresci assistindo isso, a gente (eu e eles, porque já somos automaticamente trutas) sabe do que está falando!".

Eu tenho muita pouca noção de quem é o Capitão Crunch e faço ideia do que seja detenção depois da aula só pelo que eu aprendi em filmes, mas sei que são coisas importantes em se crescer nos US and A. De igual forma os americanos nunca vão entender porque nós gostamos tanto de Cavaleiros do Zodíaco por aqui ou da importância da TV Manchete. Eles podem saber, mas é preciso gente como a gente para contar essa história direito a um nível pessoal.
E é aí que entra Chroma Squad: é um RPG tático com gerenciamento sobre super sentai. Se essa não é uma descrição absurdamente fodenda de um jogo, então não sei o que poderia ser. Mas hey, até aí nada demais, Hyperdimension Neptunia tem uma descrição tão boa quanto e a execução é um descarrilamento de trens transportando fetos obesos. 

O grande diferencial aqui é que Chroma Squad, enquanto jogo, se propõe a fazer duas coisas e faz as duas muito bem.

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Chroma Squad conta a história de cinco dublês de um estúdio que fazia series sentai que se cansam da falta de originalidade e decidem abrir seu próprio estúdio. A "gravação dos episódios" são as fases de luta que funcionam como um SRPG (como Final Fantasy Tactics) e a mecânica do jogo funciona redondinha.

Não só é muito gostoso (e fácil, você joga o jogo todo só com o mouse) encher os inimigos de piaba (os efeitos de golpe são muito satisfatórios de ver/ouvir), como tem o grau de exigência tática que o gênero exige. Seus heróis tem poderes especiais únicos com cooldowns para serem administrados, existem ataques em conjunto e malabarismos para fazer os companheiros se deslocarem mais longe. Tudo de uma forma simplificada mas não simplista.

Caso gerenciar seus bonequinhos no tabuleiro não seja desafio o suficiente, as missões ainda te apresentam parâmetros opcionais para ganhar mais audiência, tipo derrotar o chefão com o golpe especial da equipe (e para isso todo mundo tem que cercar ele, leva um certo planejamento), ou vencer sem que ninguém cai a vida abaixo de 50% ou então proteger a vitima civil do episódio.



Para conseguir fazer tudo isso e manter a simplicidade o jogo sacrificou a evolução de personagens, você não ganha XP e sobe o nível de seus heróis. Ao invés disso existe sim um sistema de classes, mas elas são fixas (como em todo grupo sentai, tem o líder, o porrador, o cara das geringonças, o cara rápido e a suporte) e você escolhe um personagem (entre vários) que vai se encaixar nessa na classe e não o contrário (você tem o personagem fixo e dá a classe pra ele). As classes ganham habilidades novas a cada nova temporada, não havendo assim experiência individual para os personagens.

O que poderia causar uma sensação ruim na qual mesmo um jogo brilhante como Undertale não soube resolver: "se eu não estou ganhando nada por derrotar os monstros, então eu estou perdendo meu tempo". Undertale não soube resolver isso, mas Chroma Squad sim: nos episódios você ganha audiência e é aqui que entra a segunda parte do jogo.

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Entre um episódio e outro, quando você não está metendo a porrada em monstros com roupas de borracha, o jogo consiste em administrar o seu próprio estúdio de televisão. A audiência obtida na gravação dos episódios se converte em fãs e dinheiro, e estes são os recursos que você tem para melhorar o estúdio - o que dá acesso a novos equipamentos, armas e atributos para os seus heróis.

Eles tiveram a ideia genial de preencher o espaço entre uma luta e outra com um jogo de administração tipo Tycoon da vida. Seguindo o mesmo mantra dos combates: simples mas não simplista. é fácil administrar o seu estúdio.

Como eu disse no caso de Undertale: um jogo com uma excelente ideia bem executada é digno de nota. Se tiver mais de um deem um troféu a este homem. E Chroma Squad faz isso muito bem nas duas mecânicas que se propõe a fazer.

DEFENSORES DA LUZ, CHROMAMAN!

O jogo tem duas engrenagens bem sólidas que funcionam para divertir, mas o tema é a cereja do bolo que torna essa uma experiência única e não apenas um joguinho para esquecer em quinze minutos. Chroma Squad é um grupo de dublês que decide abrir um estúdio de fundo de quintal para gravar sua própria série super sentai com sérias limitações orçamentárias e acaba envolvido com uma aventura de verdade sobre guerreiros da justiça e monstros gigantes (ou talvez seja apenas parte do episódio, quem sabe?).

Isso abre uma brecha muito grande para brincar com os clichês do gênero, e é feito com o carinho de quem entende do assunto o suficiente para poder brincar sobre isso. Então o tema dos episódios varia entre coisas como o personagem X "foi sequestrado naquele episódio" porque o ator tinha dentista marcado no dia, ou que o porrador do grupo estraga tudo por ser cabeça dura e querer resolver tudo no braço, ou então que o líder da equipe quer ser mais estrela que os colegas.

Nenhuma série sentai que se preze deixa de ter episódios desse tipo, e a lista de referencias é longa e bem divertida, dá pra dar boas risadas com os trocadilhos infames ou se surpreender como eles desencavaram aquilo do fundo do baú. E de forma alguma se limitando a séries japonesas de super heróis. Tanto que um dos monstros inimigos é o Tigre Robotira. Tiger Robocop, sacaram, hã, hã? 

O monstro Pula-Pirata e o monstro Science-has-gone-too-far
Onde está seu Deus agora?
é um humor feito por brasileiros para brasileiros, e isso é uma das coisas que tornam a experiência do jogo única.

Agora a cereja do bolo é a customização do jogo. Como o jogo não tem falas em áudio, sendo inteiramente em texto, dá para customizar completamente diversas coisas no jogo como o nome do seu mecha gigante, a frase de efeito da transformação, o nome dos personagens e até a frase de efeito do golpe especial.

Assim o meu Chromaman (você pode editar o nome da equipe também, mas deixei assim para manter o espírito do jogo) era um combo dos sonhos dos anos 80/90. Se transformava com "Pelo poder do prisma lunar!" (que era um sentai, embora em anime e para meninas, mas era mesmo assim), a frase de efeito do seu golpe especial era "não o perdoo!" e após isso eles invocavam o Gigante Guerreiro Daileon. O meu grupo também era composto por cinco heróis que significaram bastante pra mim: Kiko, Ken, Tati, Lisa e Fox - uma bala de hortelã se você pegar a referencia.

Eu não tenho palavras para descrever o quanto foi nostálgico e divertido jogar esse jogo, na minha infância era algo que eu sempre sonhei jogar. O final do jogo em particular é carregado de clichês e discursos sobre defender a Terra em nome da amizade - tão comuns em séries desse tipo, e é justamente o tipo de heroísmo cafona que eu gosto.

Por alguns breves momentos eu gosto de fingir que não as pessoas não são do jeito que são e que há bastiões incorruptíveis de luz e que lutar pela Terra seria uma luta que valeria a pena. Desde que eu era criança esse tipo de heroísmo que eu aprendi com os heróis japoneses me dá algum tipo de conforto, e embora hoje meus heróis sejam outros a essência continua a mesma. Chroma Squad entende isso bem.


O jogo se propõe a fazer poucas coisas, mas faz com aquela piscadinha de quem sabe o que está fazendo.

REFRAÇÃO FLASH!

O jogo, é claro, não é perfeito e tem algumas coisas que incomodam. Os menus poderiam ser um pouco mais otimizados e dar mais informações - por exemplo comparar o item que você quer criar na oficina aos que já estão equipados nos personagens porque recursos são raros.

Um dos momentos em que isso mais incomoda é na hora de escolher os membros do seu grupo, porque é uma das primeiras coisas que você faz no jogo e tem diversos atributos alienígenas aos RPGs que devem ser importantes mas você não faz ideia do que fazem, nem tem uma tooltip para explicar - basicamente você monta seu grupo no escuro.

Alguns episódios também terminam com uma batalha contra um monstro gigante, que é basicamente um minigame que não varia de um monstro para o outro, se tornando cansativo. E a parte do zord que se monta com as partes de robos menores é uma parte vital da coisa toda, essa experiencia ficou menos do que excelente. Uma pena realmente.

Mas hey, é uma experiencia com coração e alma em um jogo brasileiro por menos de vinte reais, eu diria que está soberbamente acima do esperado.



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