Eu ainda lembro de um tempo que "escolher" não era fazia sentido, eu assistia o que dava do jeito que dava, seja episódios de Evangelion em .rmvb de 6MB (acho que ninguém mais hoje lembra do RMVB), a pegar dois onibus para ir em outra cidade assistir três episódios de seja lá o que for em um galpão sem ar-condicionado e achar isso o máximo (foi assim que eu assisti FLCL, alias). Se passasse algo na TV então, vish, era foguetório. Bem, nada disso importa mais e hoje eu posso escolher o que assistir e quando assistir quase simultaneamente depois que passa no Japão, não é um mundo louco esse? Definitivamente percorremos um longo caminho até aqui.
Bem, seja como for os indicados desse ano incluem também tokusatsu (pq eu não assisto o suficiente pra fazer uma lista só disso), assim como séries e longa metragens assistidos durante 2021, e os candidatos são:
- Get your hands off Eizouken
- The Great Pretender
- Yu Gi Oh
- 86-EIGHTY-SIX
- Jujutsu Kaizen
- Miss Kobayashi's Dragon Maid
- Land of the Lustrous
- Mob Psycho 100
- Tenkuu Shinpan - High-Rise Invasion
- The Night Warriors: Darkstalkers Revenge
- Mobile Suit GUNDAM: Iron Blooded Orphans
- Midori no Hibi
- Evangelion: 1.11 You Are (Not) Alone
- Evangelion: 2.22 You Can (Not) Advance
- Evangelion: 3.33 You Can (Not) Redo
- Evangelion: 3.0+1.0 Thrice Upon a Time
- Tasogare Otome × Amunejia (Dusk Maiden of Amnesia)
- The Big O
- Shoujo Kakumei Utena (Revolutionary Girl Utena)
- Samurai Sentai Shinkenger
- Cross Ange
- The Girl Who Leapt Through Time
- Given
BRONZE: Mobile Suit GUNDAM: Iron-Blooded Orphans
A coisa que eu mais aprecio a respeito da ficção é essa habilidade que ela concede de usar uma situação fantasiosa falar sobre temas complicados da natureza humana através de metaforas ou mesmo diretamente, que de outra forma seriam muito espinhosos ou pouco elegantes para se falar sobre.
Por exemplo, você pode reparar que animes raramente falam sobre guerra. Claro, um herói enfrentando um império do mal é o feijão com arroz de animes, mas eu digo no sentido militar da palavra, guerra com exercitos e aquela porra toda é muito raro, pra não dizer quase inexistente. Muito dificilmente você encontrar mangas, animes ou filmes com essa temática e suponho que todo mundo consiga imaginar as razões - para os japoneses esse assunto é profundamente doloroso e humilhante.
Todo mundo lembra das bombas nucleares, obviamente, mas eu diria que esse nem foi o pior legado da guerra para o Japão. O país quase morrer de um quadro generalizado de fome, cidades serem incendiadas e somado as sansões políticas e culturais que o Japão sofreu após a guerra foram igualmente pesadas. Tanto que até hoje a constituição do Japão não permite que o país tenha exército formalmente (o que foi uma das condições após a rendição na guerra), o Japão possui apenas a Força de Defesa Nacional que legalmente é meio que uma extensão da policia e que apenas em 2015 a constituição permitiu que saísse do país para ajudar em causas internacionais. Ainda sim o país é defendido por 23 bases militares americanas (com mais de 55 mil soldados), incluindo uma base aerea em Toquio.
Isso somado aos crimes hediondos cometidos pelo exército imperial japonês durante a segunda guerra (sério, algumas coisas tão pesadas que até os nazistas diriam "eita, pega leve filho que isso já é ir longe demais") tornam o assunto de guerra algo beeeeeem complicado de ser abordado no Japão. Serio, quando guerra evoca lembranças de coisa que os nazistas não tiveram falta de decencia humana o suficiente para fazer, é a coisa foi feia a esse nível.
E é aqui que entra a magia da ficção: ela permite que se fale sobre temas que normalmente seriam desconfortaveis demais para se falar, e com isso eu quero dizer que o Japão tem sim uma série de animes e mangas sobre guerra - só que com a visão japonesa do que guerra significa. E é sobre isso que Mobile Suit Gundam sempre foi. Sim, Gundam, aquela franquia do robozão gigante branco, essa mesma.
Nas Olimpiadas agora de 2021, a prova de escalada foi realizada sob o jugo inclemente do Gundam Unicorn (da série de 2010)
O resultado é que diferente das obras americanas onde a guerra é geralmente glorificada e exaltada como algo badass, como algo foda e admirável, em Gundam a guerra é uma tragédia que nenhum lado realmente vence no fim, é algo doloroso e horrível.
Eu sei que isso é estranho de se imaginar sem assistir porque Gundam é talvez uma das coisas mais assONciadas com animes, e é sobre um robozão branco de trocentos metros metendo a porrada em outros robozões de trocentos metros. E é. Mas não é tudo que essa franquia (composta por várias séries e filmes sem necessariamente relação entre si) é.
E a iteração de Gundam que foi exibida de 2015 a 2017, Blood-Iron Orphans, é uma das versões mais pesadas desse franquia. Caso o nome não tenha dado a deixa ainda.
Um diferencial deste Gundam para os outros animes de mecha, é como ele trabalha a questão de crianças pilotando estas máquinas. Mesmo que você não tenha costume de assistir obras deste tipo, alguma hora se você viu algo relacionado, talvez tenha se perguntado: “por que os pilotos são sempre crianças/adolescentes?”. Bem, a resposta é óbvia: para o publico alvo se identificar e comprar brinquedos relacionados. Mas Gundam é um caso que a ficção tenta justificar um motivo, e não é um motivo bonito.
Nossa história aqui se passa em algum ponto distante no futuro, onde um grupo mercenário em Marte usa crianças como ferramentas baratas e dispensaveis de guerra - não muito diferente do que acontece no nosso mundo na Africa. Só que nessa história as crianças se rebelam, matam os adultos que as escravizavam e ... bem, passam elas mesmas a administrar o grupo mercenário porque o que mais eles realmente sabem fazer da vida senão lutar? Somado a isso que o cenário sONcioeconomico de Marte é bem complicado mesmo para os adultos conseguirem emprego e sobreviver, que dirá um bando de órfãos que literalmente não tem outro lugar para onde ir.
E justamente por ser um bando de garotos que opera robos gigantes como um bando de animais que não tem mais nada a perder (pq eles são), eles acabam se destacando e sua força militar acaba sendo envolvida no grande esquema de poder politico daquela sociedade onde Marte é uma das colonias da Terra. Então a ideia geral é que BIF é basicamente como um bando de crianças mercenárias acabaram sendo usadas na guerra de indenpendencia de Marte e, como você pode imaginar, o resultado é sangrento e bastante pesado.
E enquanto a primeira metade da série é uma das coisas mais legais que eu já assisti em anime, é dramatico, violento, bem construído e com ação de robozões da porra fazendo coisas de robozões da porra na medida certa, a segunda metade é o que impede que a série de ter um lugar mais alto na escala.
Isso porque o lado político na guerra fica inchado demais, com personagens demais, objetivos demais, lados demais. Eu entendo que no papel a coisa de "estamos morrendo nessa guerra pra que, afinal?" é meio que o ponto... bem, de uma guerra... mas a primeira metade fazia isso com um foco bem mais simples e objetivo.
Mas ainda sim, apesar de alguns tropeços na segunda metade, sua história de como um bando de crianças-soldados mudou a história da guerra de indenpendencia de Marte foi plenamente realizada - traçando sua ascensão e queda em um cenário politicamente carregado, onde tudo tem uma segunda intenção por trás. Jogue algumas batalhas de mecha muito bem animadas, o personagem mascarado obrigatório que Gundam sempre tem que ter e um monte comercial de garage kits para vender, e você tem os ingredientes de uma ótima série.
Mas sério, essas porras de bonecos (que esses animes são feitos para vender, no fim) são muito lindos mesmo.
PRATA: Jujutsu Kaizen
Suponho que não é realmente surpresa pra ninguém a ideia de que a cultura japonesa como um todo é muito pesada, rigida, dura. Essa é a imagem meio que automática que nos vem a mente e isso é verdade mesmo no entretenimento, toda cultura japonesa é engessada em formulas, existem modos de fazer as coisas, existem padrões a serem seguidos. Shonen, shoujo, seinen, slice-of-life, romcom, animes de esportes, cada genero é mais do que um mero rótulo dado após a obra ser criada e sim um guideline que o autor tem que ser de como fazer as coisas. No Japão existe um metodo e uma forma para tudo, e animes não exceção.
Verdade seja dita, é um espetaculo em si mesmo ver o quão criativos os japoneses conseguem operando dentro dessas formulas, mas as linhas da grade ainda estão lá do mesmo jeito. Quando você vê um shonen, um shoujo ou um tokusatsu, você sabe de antemão quais batidas serão tocadas - mesmo que elas variem enormemente entre si. Porque, como eu disse, existe um metodo de fazer as coisas, existe uma forma correta. É assim que o Japão rola. A cultura japonesa é o produto final do peso incalculável que seu povo carrega nas costas.
... mas será que é mesmo?
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Porque aqui eis a coisa interessante: a cultura humana não é nada senão um organismo sempre evoluindo através das suas experiências próprias, e isso é verdade até mesmo para os animes - porque os japoneses são também pessoas, vejam só. Então toda essa sisudice, essa coisa de "é assim que se faz as coisas e ponto final", toda essa coisa de tradição rígida... não é exatamente isso que se vê nas ruas das grandes cidades, especialmente Tóquio.
E é aqui que entra o maravilhoso poder da juventude, pois é hora de entrar em uma cena uma nova geração que não é responsável por todas as coisas que aconteceram no passado. Eu gosto muito que o tema central de Naruto é sobre como um bando de crianças tem que carregar nas costas (e resolver) o legado de uma guerra que não foi deles, e que eles definitivamente não tem nada haver com isso. Naruto é sobre a geração de hoje resolvendo as tretas que os adultos fizeram no passado, e eu suponho que os paralelos com a realidade japonesa são bastante obvios a esse ponto.
Pois bem, se Naruto é sobre os jovens resolvendo as tretas de ontem, pode-se dizer que Jujutsu Kaizen é essencialmente o próximo passo nessa evolução cultural da juventude japonesa.
Jujutsu Kaizen é um anime para a geração milenial japonesa que cresceu sob o peso de uma cultura milenar em suas costas, mas que se sente mais do que isso. Essa é a geração que não se sente culpada pela guerra (porque não é mesmo), é uma geração que cresceu em um contato com o exterior nunca antes imaginado na sua história graças à internet, é uma geração que troca informações e experiências como nunca antes em sua história. Essa é a geração do hip hop, das roupas coloridas e extravagantes no centro de Tóquio, é a geração dos fabulosos Phantom Thieves sendo fabulosos because fabulosidade. É uma geração leve, uma geração sem esse peso todo no seu coração. Essa é uma geração cool.
É nesse ponto que entra Jujutsu Kaizen, a obra prima da geração cool. O fruto de uma geração que cresceu assistindo as sementes de liberdade criativa que vazavam das formulas fixas do manga shonen. É uma geração que conhece Dragon Ball Z e Cavaleiros do Zodiaco, mas que cresceu mesmo é lendo os personagens com mais do que uma camada de Yoshiro Togashi (Yu Yu Hakusho e Hunter x Hunter), que cresceu o manga com proposito de Naruto, uma história que quer chegar em algum lugar no sentido artistico da palavra, uma geração que aprendeu a rir de si mesma com One Punch Man e Gintama.
Jujutsu Kaizen é a sintese dessa nova geração de mangás shonen, o próximo passo da evolução. Claro, JK é tão shonen quanto shonen pode ser, porque a estrutura do mangá - se estripada aos seus basicos - é basicamente Naruto: um jovem otimista e dentro de coração bom tem um demonio de poder infinito se de si em uma sociedade rígida onde cada clã tem mais poderes de pessoas animezísticas.
Só que Jujutsu Kai é a evolução natural de Naruto, porque a coisa mais incrível do ser humano é que ele está sempre tentando melhorar e evoluir. Por exemplo, uma coisa que me incomoda em Naruto é que um ponto muito importante da série é que Naruto e o Sasuke são amigos. Discutivelmente é o ponto mais relevante da série. O problema não é esse, entretanto, e sim que eu vejo isso muito mais ser dito do que vejo acontecer, basicamente porque personagens meninos de anime tem que ter uma cintura dura e não se permitem muitas intimidades uns com os outros, é assim que o Japão é. Ou era.
Então você ouve muito o Naruto falar de amizade com o Sasuke, mas você realmente viu muito pouco isso acontecer na prática porque é assim que as coisas eram feitas na época. Jujutsu Kaizen não tem esse problema: Megumi é "o Sasuke desse anime", mas esse anime não tem a mesma cintura dura no relacionamento entre os personagens que seu irmão 20 anos mais velho tem.
Meguumi e Yuji são amigos sim, você sente isso sem que ninguém precise dizer isso 238 vezes. Megumi ainda cumpre a função do personagem reservado e distante, com um poder foda de um clã foda e uma história pessoal trágica, mas sem todo aquele peso anos 90 que o Sasuke tem. Ele é uma versão cool e maneira do Sasuke, sem perder a sua essencia. Pegar a essencia, corrigir os defeitos, deixar mais cool ainda. É assim que nós rolamos agora.
Outra coisa, sabe como o estúdio Pierrot fez o que pode pra cagar Naruto com fillers ao ponto que é praticamente inassistivel se você não estiver vendo uma versão editada? A lição foi aprendida e aqui é justamente o contrário: cada cena é lindamente animada como se ela fosse importante, 24 episódios que valem ouro são uma escolha mais adequada aos dias atuais do que 240 que whatever faz qualquer merda aí.
Ou então sabe quando a personagem feminina do grupo não faz nada de particularmente útil porque a abordagem de um manga shonen dos anos 90 é "eca meninas eca eca". Bem, nós não fazemos mais as coisas assim hoje. A Nobara é legal pra caralho, obrigado, de nada.
Pois então, agora imagine que JK faz isso com 40 anos de anime e você entende o que eu quero dizer que é a obra prima de uma geração. Jujutsu Kaizen tem coisas de Naruto, mas corrige seus defeitos e é mais cool. Jujutsu Kaizen tem coisas de Bleach, mas corrige seus defeitos e é mais cool. Jujutsu Kaizen tem coisas de Yu Yu Hakusho, mas corrige seus defeitos e é mais cool. Entende meu ponto agora?
Literalmente o ponto do anime é que nesse ano em particular eles estão tento a mais talentosa e promissora de feiticeiros Jujutsu em séculos, o que é uma departure gigante do que obras desse tipo são no sentido de "antigamente houve uma era de glória e poder e agora vivemos com restolhos desses dias maravilhosos". Não, a era gloriosa é agora, estamos vivendo os dias agora. O momento é esse e a hora é essa.
Ah, sim e quando eu digo "mais leve", eu quero dizer no sentido de livre, não de leviano. Jujutsu Kaizen não é um anime inconsequente, ele aborda temas relevantes (especialmente que nem todos os humanos merecem ser salvos, e nem todos os monstros merecem morrer) mas de uma forma tranquila que só quem sabe o que está fazendo consegue fazer. Jujutsu Kaizen sabe o que está fazendo.
Claro, o anime ainda está na sua primeira temporada e nada garante que eles não vão foder a porra toda daqui pra frente. Mas o que temos até o momento é a evolução natural de Naruto, Yu Yu Hakusho e Persona 5, na forma da voz de uma geração que é livre, leve e solta. E muito cool.
Imagine Devilman Crybaby, só que shonen e sem induzir ao suicidio por desesperança. Se isso não é potencial pra ser o melhor shonen de todos os tempos, então eu não sei mais o que poderia ser.
OURO: Evangelion: 3.0+1.0 (Thrice Upon a Time)
Okay, essa dava pra ver vindo a um milhão de milhas de distancia, né?
Bem, eu já fiz um post especifico pra esse filme falando o que ele significou pra mim então eu queria ressaltar o quanto, mas TÃO importante poder dizer apropriadamente "sayonara, subete no Evangelion".
Adeus Evangelion, nunca haverá outro anime como você. Haverão outros, melhores, piores, que tentam mais ou menos coisas diferentes, mas Neon Genesis Evangelion terminou e esse capitulo foi fechado. Eu suponho que nada que eu possa dizer para encerrar do que a letra de "One Last Kiss", a música que encerra o último filme de Eva, uma música que fala justamente da despedida dessa obra que significou tanto.
ONE LAST KISS - Utada Hikaru
Apesar de ter sido minha primeira visita ao Louvre
Não me impressionou muito
Porque a minha própria Mona Lisa
Eu já tinha encontrado a muito tempo atrás
Desde a primeira vez que eu te vi
Engrenagens começaram a se mover
Era um presságio de que você ia me deixar
Oh, embora você me tenha dado incontaveis
Mas, por favor, me dê mais um
Você pode me dar um último beijo?
Isso é algo que eu não quero esquecer
Oh-oh-oh-oh, oh-woah, oh-oh-oh (Oh-oh)
Oh-oh-oh-oh-oh, eu te amo mais do que você imagina
"Eu não gosto de tirar fotos"
Mas na tudo bem porque eu não preciso dessas coisas
Pois a sua imagem já está gravada
No projetor no fundo do meu coração
Eu fingia que não sentia sua falta
Bem, acho que ambos fingimos
Afinal sabemos que começar de novo com alguém
Seria na verdade muito doloroso
Você pode me dar um último beijo?
E vamos fazer ser bem ardente
Para eu não conseguir esquecer
Mesmo se eu quisesse
Oh-oh-oh-oh-oh, te amo mais do que você imagina
Oh-oh-oh-oh, oh-woah, oh-oh-oh (Oh-oh)
Oh, eu finalmente entendi
Que mesmo até o fim dos tempos
Que mesmo quando eu for velho
Eu não vou esquecer de você
Oh-oh-oh-oh-oh, você nunca será esquecido
Oh-oh-oh-oh-oh, oh-woah, oh-oh-oh (Oh-oh)
Depois da brisa que o vento soprou
Tudo que me resta é a lembrança de um momento bom.