Onde a magia acontece

[GAMES] PERSONA 4: The Golden (ou everyday is great at your Junes)

| domingo, 9 de agosto de 2020
... TO BE CONTINUED »

 

Então acredito que chegou a hora de ter uma longa e boa conversa sobre algo muito, muito importante. E por algo muito importante, estou falando é claro daquele que é considerado por muitos o maior jRPG de todos os tempos: Persona 4 Golden. Mas... será mesmo? É o que veremos hoje.

Mas vamos começar do começo: como muitos de você, meu primeiro contato com a série Persona foi com o lindo, fantabuloso e chocolatante Persona 5 - que chega muito, muito, mas muito perto mesmo de ser o jRPG perfeito. Eu definitivamente tenho problemas com o final do jogo, mas fora isso o jogo é 10/10 tudo que você poderia desejar de um jogo do genero.

Então em 2020 a Sega (que é dona da Atlus e distribui os jogos deles) decidiu relançar o Persona 4 em sua versão plus (eles fazem isso de lançar um Persona e algum tempo depois lançam a edição "plus", Persona 3 tem o FES, Persona 4 tem o Golden e Persona 5 tem o Royal) para a Steam e eu pensei "what the heck, why not Talvez não seja tão bom quanto Persona 5, mas algo menos incrível de algo quase perfeito ainda sim é incrível pra caralho". Ergo, comprei Persona 4 Golden na Steam.

Porém antes de falar de Persona 4, é preciso recapitular o que é Persona 5 para mim. E o que é Persona 5? É apenas a mais espetacular aventura de super-heróis já feita em um videogame, com uma trilha sonora perfeita (eu notei que uso muito essa palavra aqui, mas é de P5 que estamos falando afinal), um sistema de combate mais de 8 mil níveis de "ai que delicia véi" e Personagens que não tem como você não gostar.

Baseado nos conceitos jungianos de que a personalidade humana é composta de várias "personas", que são máscaras que usamos em diferentes momentos da vida em diferentes situações (a pessoa que você é falando com seu chefe em uma reunião não é a mesma pessoa que você é em um estádio de futebol, e essas são totalmente diferentes da pessoa que você é brincando com seus doguinhos), Persona 5 é sobre um grupo de adolescentes que literalmente arranca suas máscaras metafóricas e abrem as asas da rebelião.

Em uma sociedade repleta de injustiças, corrupção e maldade, Persona 5 é sobre um grupo de vitimas das coisas que estão erradas no mundo e apoiando-se uns nos outros decidem que calados na noite não serão mais vítimas. É hora de tornar as coisas direitas, e fazendo isso com muito, muito estilo. Nascem assim os fabulosos, espetaculares e uber cools... Phantom Thieves of Hearts!

Eu já comentei nos outros textos como toda e cada escolha visual da Atlus para esse tema é nada senão apenas perfeita (olha essa palavra de novo), das fontes escolhidas a apresentação visual do menu que são todos compostos por um misto de pichações a letras recortadas de jornal - como em uma carta de resgate de sequestro. Tudo em Persona 5 é sobre contracultura, sobre rebelião... mas com tanto estilo quanto se pode ter e desde a primeira tela você já entendeu totalmente a proposta dele.

É um jogo incrivelmente perf... bem, você já sabe... de uma empresa madura que ao longo dos anos dominou a mestria tecnica do seu oficio sem abrir mão de ter o coração no lugar certo. É a Atlus fazendo de um jRPG o melhor que ele pode ser, ela sendo o modelo ideal de uma empresa adulta e profissional de uma forma saudável.

Persona... Persona never changes

E se Persona 5 é a versão adulta e pronta de onde eles queriam chegar, se P5 é a "persona" totalmente realizada do que eles deveriam ser... Persona 4 é a versão adolescente desse adulto ideal. Você sente que todas as qualidades que REALMENTE importam estão lá já, mas elas não são apresentadas sem a organização e profissionalismo de quem sabe o que está fazendo.

Isso quer dizer que ao contrário do seu irmão mais novo, Persona 4 é um jogo um tanto perdido e várias vezes tateia na neblina tentando encontrar quem ele é. Como um adolescente tentando encontrar que tipo de pessoa ele quer ser quando crescer. Quando você é adolescente, você já é você só que em cima disso tem muita confusão, dúvida e falta de experiencia que serão filtradas nos próximos anos.

Isso quer dizer que enquanto Persona 5 é um jogo tecnicamente perfeito... Persona 4 tem algumas pontas duras seriam lapidadas nos anos seguintes. O sistema de combate, por exemplo, é essencialmente o mesmo: trocar personas, explorar fraquezas para ganhar turnos extras e todo o pacote completo de RPGs de turno japoneses.

O sistema de combate de Persona 4 é sólido e bastante bom, mas não tem como não dizer que falta aquele toquezinho a mais de maestria, aquele temperinho especial de experiencia que a Atlus demonstrou dominar em P5. É mais ou menos o equivalente aos pilotos da Mercedes: o Bottas é super competente e em qualquer outro cenário totalmente poderia ser campeão do mundo... mas então o Hamilton é um nível acima, ele tem uma visão do todo e um controle de quem sabe o que está fazendo que sequer tem como comparar. Se for colocar na ponta do lápis a diferença entre P4 e P5 é pouca, mas a experiencia que o jogador tem é inteiramente diferente.

Por exemplo, em Persona 4 não existe Baton Pass e só de escrever isso eu consigo ouvir daqui todos vocês dizendo "aaaawwww...". Esse é apenas um pequeno exemplo, mas o jogo todo é repleto dessas pequenas quality of life updates que vieram na continuação. Antes de começar a escrever P5, a Atlus sentou, jogou P4 do começo ao fim e foi anotando em um caderninho todas as coisas que eles poderiam fazer para tornar a experiencia ainda melhor, mais legal, mais equilibrado. E o jogo antes dos patches de fabulosidade, bem esse jogo é essencialmente P4.

A dificuldade do jogo, por exemplo, é bem, bem menos balanceada. Em P5, terminar o palácio em um único dia (já que tempo é seu recurso mais importante aqui) é sempre um desafio porque você precisa equilibrar mana, gerenciar membros do time, toda essa coisa para fazer o que você quer fazer. Em P4 você tem essa dificuldade no primeiro palácio... e meio que só. Depois disso, se você está upgradeando seus social links, o jogo te dá tantos recursos para recuperar sua mana que terminar o palácio em um dia só é mais uma burocracia do que um desafio realmente.

Eu já vi doujinshi o suficiente pra saber como isso termina

A confidant Hermit recupera sua mana em troca de dinheiro na entrada do palácio - e quanto mais você sobe de social link, mais barato isso fica - assim como a sua navegadora recupera mana e HP após o combate após certo nível de evolução da Persona e social link dela. Não que isso torne o jogo ruim, ainda funciona, apenas... o desafio na medida certa que você tem em P5 dá aquele gostinho just right, sabe?

É aquele temperinho especial que diferencia um prato consistentemente bom de outro que você diz "uau, isso é o melhor que possivelmente pode ser feito!". E assim a coisa é. Talvez o que mais tenha me incomodado, a parte que é menos incrível realmente é que os palácios aqui não são dungeons desenhadas a mão com puzzles e level design bem pensado... e sim que são proceduralmente gerados.

Sim, uma IA desenha um mapa aleatório cada vez que você troca de andar no palácio e é isso. Em outras palavras, todas as dungeons do jogo são um grande e enorme Mementão e isso não é cool, cara. Não quando você se acostumou a um nível espetacular de level design, se em P5 as dungeons são parte da diversão do jogo... aqui elas são mais um obstáculo para você chegar na parte que te interessa e isso é definitivamente muito menos awesome.

São todas as pequenas coisas, sabe? Os atalhozinhos na interface, as pequenas e sutis dicas de como acessar todo conteúdo ou mesmo o feeling geral da coisa. Outro exemplo, as sidequests em P4 são quase aleatórias, não tem o padrão The Witcher 3 de "algum ser humano realmente escreveu essa sidequest" como em P5. Então todas as sidequests aqui basicamente envolvem você voltar no palácio anterior e conseguir dropar um item especifico de um mob especifico que spawna em determinados andares

Ou seja, digamos que você precise de um item que só dropa de um monstro que aparece no andar 7 a 9. Em primeiro lugar você não sabe disso, então boa sorte descobrir sem um FAQ já que as dicas são bem vagas. De qualquer forma, você tem que voltar no palácio anterior e subir todos os andares de novo e então ficar farmando mobs até aparecer o que você quer pra dropar o item. Embora o drop rate seja de 100%, o spawn é aleatório e as vezes você precisa de mais de um, então tome-le grind.

Não é nem um pouco surpreendente que quando a Atlus revisitou isso antes de começar P5, olhou e disse "caras, tipo, vamos nunca mais fazer um negócio desses? Tipo, na vida?". Então, é bem saquinho realmente. Ou então sabe a coisa que o mapa da cidade mostra quais confidants estão disponíveis sem você precisar ir lá? Então, P4 não faz issso. Você tem que ir até o lugar onde o safado fica para ver se ele está lá ou não. Um minúsculo quality of life upgraded que está faltando.

Mais uma resposta da série "Dude, you'd just killed her!"


O jogo é inteiro feito de pequenos momentos que você para e diz "eh, isso é legal e tal, mas... poderia ser feito de um jeito melhor... e foi feito de um jeito melhor mais tarde!". E isso eu estou falando apenas das decisões de interface e conceituais, eu não estou nem entrando no mérito das questões técnicas porque Persona 4 foi um jogo lançado para Playstation 2 e P5 é um jogo bem do finzinho do PS3, quase um jogo de PS4 (tanto que não tem taaaaaanta diferença tecnica do PS3 para a versão de PS4).

Isso quer dizer que em gráficos, detalhes dos modelos dos personagens, quantidades de objetos na tela, quantidade de NPCs na tela, nada disso é remotamente comparável porque é um jogo de uma geração e meia anterior. Eu não implico muito com isso porque um jogo é o que ele pode ser na época que ele foi feito, julgar por isso já é babaquice também.

Mas então, o meu ponto que Persona 4 é um jogo solido enquanto jogo porque toda a estrutura de Persona que a Atlus bolou é putamente boa, mesmo sem ser executada com toda primazia e refinamento conceitual/tecnico que Persona 5 esbanja. P4, enquanto gameplay, é um jogo sólido e bom, mas não é perfeito como Persona 5. 

Eu também não confio nesses jovens, Adachi

Mas, espera... e todo esse pessoal que diz que Persona 4 é realmente o melhor jogo da série? É só nostalgia de quem está falando um jogo que foi lançado em 2008 e nunca mais jogou depois disso?

Então... não. O argumento de que P4 é o melhor jogo da série tem bases realmente sólidas e enquanto eu detesto comparar jogos que tentam fazer coisas absolutamente diferentes (seria discutir qual é o melhor, Street Fighter ou Mario, sequer faz sentido essa discussão), eu totalmente entendo o sentimento e de certa forma concordo com ele.

Como? Bem, um ponto que eu defendo vez e vez novamente é que um jogo é composto de duas partes: conceito e execução, corpo e alma. Persona 5 é um jogo equilibrado em ambos campos: sua execução é deliciante, mas seus temas, suas ideias, seus conceitos não são menos estelares que isso. Como alguém que cresceu e ainda gosta de tokusatsu e toda essa breguice japonesa de "lutar pela justiça" e que fica emocionado toda vez que ouve o tema de um Kamen Rider, Persona 5 é um jogo muito, muito especial para mim. Conceito e execução impecáveis.

Persona 4, por outro lado, não tem uma execução impecável e muita coisa poderia ser melhorada... como efetivamente foi. Então isso faz dele um jogo inferior, é uma equação simples de ser feita, não? 

Então... não.

Taí um homem que entende de limites


Verdade que P4 não é o primor técnico que P5 é, só que ele compensa isso tendo tanto, mas tanto, mas TANTO coração que ele equilibra essa conta no puro kokoro. Quanto, exatamente?

Vamos colocar assim: ao terminar P5 você fica triste porque encerrou uma das melhores experiencias videogamísticas que você terá na vida. Poucas coisas que você jogar daqui pra frente serão Persona 5, e isso é awesome ainda que somewhat triste.

Agora, assim que começam os créditos de Persona 4 e você realiza que nunca mais jogará Persona 4 pela primeira vez na vida, sua reação não é outra senão essa:

O mais impressionante é quando você pesquisa sobre P4, isso não é uma reação exclusiva minha. É um sentimento generalizado, e não porque o final é particularmente tearjecker ou nada do tipo. É realmente apenas a sensação de que seus dias com essa turminha acabaram, e mesmo que você possa jogar o jogo novamente... não vai ser a mesma coisa realmente. Nunca mais.

Isso é o que eu quero dizer quando eu digo que o jogo tem tanto, mas TANTO coração.

Mas... o que faz Persona 4 tão especial assim, afinal?

Bem, deixemos de lado o cenário de grandes centros urbanos do Japão em que Persona geralmente se situa, e sejamos bem vindos a mínuscula e esquecível Inaba, uma cidadezinha do interior mundialmente famosa por... absolutamente nada. Sabe aquelas cidadezinhas do interior que tem uma rua principal e meio que é isso a cidade? Essa é Inaba. Não existe uma única coisa memorável sobre essa cidadezinha, e tampouco algo interessante acontecendo nela.

E é nesse fim de mundo onde judas perdeu não perdeu as botas porque é tão no meio do nada que ele sequer foi lá que o nosso protagonista (chamado em outras midias de Yu Narukami) vai passar um ano absolutamente esquecível quando seus pais vão trabalhar no exterior e você precisa abandonar a vida na cidade grande para morar com seu tio e a filha dele.

Esse parece que ser um ano muito, muito longo...

Inaba é uma terra de muitas maravilhas, mas de grandes horrores


Porém tão logo você chega em Inaba, algo digno de nota acontece na cidade. A bem da verdade, a primeira coisa digna de nota em... bem, desde sempre, eu acho: uma celebridade da capital que estava envolvida em um escandalo de um affair e que "foi dar um tempo no interior" para fazer a poeira baixar com a midia aparece morta. Não apenas morta, pendurada de cabeça pra baixo em uma antena de TV!

Em uma comoção nunca vista na história de Inaba, a imprensa se desaba a este fim do mundo para cobrir este evento midiatico, a policia investiga o caso... quando alguns dias depois algo mais improvavel ainda acontece: a pessoa que encontrou o corpo da celebridade também aparece morta! E também pendurada de cabeça pra baixo em uma antena de TV!

Uau, temos um serial killer a solta na pacata Inaba, e agora caberá aos nossos heroicos jovenzinhos do interior (que acabam se envolvendo) impedir que novas mortes ocorram, além de dar uma de gangue de Scooby-Doo e investigar o caso!

Esse envolvimento acontece porque existe em Inaba, como frequentemente acontece em cidadezinhas do interior, uma lenda urbana rolando: dizem que se você olhar fixamente para a TV a meia noite de um noite de chuva, ela vai sintonizar sozinha e mostrar a pessoa com quem você vai casar. Nosso herói acaba fazendo isso (até porque não tem realmente nada muito mais interessante para fazer em Inaba), e ele vê não o grande amor da sua vida, mas sim a próxima vitima do serial killer.

Não apenas olhar, ao tocar a TV enquanto ela está sintonizada nesse "Midnight Channel", ele acaba entrando nesse "mundo da TV" e é aqui que entra a participação do metaverso nesta iteração de Persona.

Quando o protagonista chega ao TV World encontra um estranho habitante de lá... que é uma fantasia de urso de pelucia de festa sem ninguém dentro, because Japan... que está full pistola porque tem alguém jogando humanos dentro do mundo dele, e ninguém gosta de humanos no seu mundo - taí um sentimento que eu posso compreender.

E depois dizem que videogames são escapismo da realidade...


De qualquer forma, o lance é que essa é a forma de execução do serial killer: as pessoas sequestradas são jogadas dentro do TV World.  Enquanto tem neblina no TV World as shadows que habitam o metaverso não são particularmente perigosas, porém assim que a neblina se dissipa as shadows vão full berserk e acabam matando o sequestrado. O detalhe é que o clima no TV World é o inverso do mundo real, então a neblina do TV World se dissipa quando baixa a neblina em Inaba.

Na prática esses são os deadlines que você tem para completar os palácios, só que ao invés de algo bem sinalizado na tela ou fácil de consultar em um calendário você tem que ficar acompanhando a previsão do tempo para os próximos dias na TV. Quando baixar a neblina em Inaba o sequestrado sentou na graxa, e essa é a dinamica principal do jogo.

Bem, isso certamente dá uma ideia de COMO é Persona 4. Mas a pergunta que realmente importa é SOBRE O QUE Persona 4 é, e é aqui que as coisas ficam realmente interessantes.

Eu sempre me perguntarei o que você fica fazendo com a raposa até o fim do dia


Logo nos primeiros momentos, logo no primeiro palácio, você já entende SOBRE O QUE Persona 5 é. A Velvet Room, o tema recorrente da franquia, é um presídio e no primeiro palácio você encontra um vilão indesculpavelmente, terrívelmente maligno que comete atos hediondos e vis, mas que se safa disso porque é assim que a sociedade rola. Logo, cabe aos fabulosos Ladrões Fantasmas de Corações quebrar os grilhões do status quo e tornar as coisas justas novamente. Da forma mais estilosa possível, porque é assim que Ladrões Fantasmas rolam. Como eu disse, logo nos primeiros momentos você já entende sobre o que o jogo é.

Mas sobre o que Persona 4 é?

Welcome to Silent Hill

Então, Persona 4 é - no meu modo de vista - um tanto mais complicado do que isso. Isso porque não existem vilões maus como um pica-paus a serem derrotados - exceto o(a) Serial Killer, mas isso é mais pro final. Os palácios que você visita não nascem dos desejos distorcidos dos individuos, mas dos desejos reprimidos das pessoas sequestradas que são jogadas dentro do TV World.

Isso quer dizer que os palácios aqui não nascem da ganancia, gula, preguiça, luxúria ou orgulho, não. Eles nascem do que o seu usuário quer esconder não apenas da sociedade, mas de si mesmo. As sombras não são crimes dos seus criadores, mas suas verdades reprimidas. 

E isso faz toda diferença do mundo.

Just a random best girl


O primeiro palácio, por exemplo, é sobre a adolescente japonesa perfeita. Yukiko Amagi é o padrão japonês de beleza perfeita e herdeira de uma das coisas mais japonesas que existe: uma pousada de fontes termais - com efeito, a ÚNICA atração turística de Inaba. Aluna perfeita, amiga perfeita, boa, recatada e do lar. Enfim, a japonesa perfeita tanto quanto um japonês pode imaginar.

Porém quando visitamos o palácio dela, descobrimos que essa fachada de perfeição social oriental não é tudo que ela realmente é. Yukiko não quer ser a menina perfeita de porcelana e intocada, ela quer experimentar coisas, ela quer fazer merda, ela quer um namorado gostoso pra caralho porque sim. Ou pode ser uma namorada, tá valendo também, porque não?

Shadow Yukiko is not amused

Durante toda sua vida,  Yukiko fez o melhor que pode, lutou com o máximo das suas forças contra essa ideia que sempre existiu no fundo da cabeça dela de mandar Inaba a puta que o pariu, largar tudo e fazer sua própria vida na cidade grande. E é justamente essa sombra do ego de Yukiko que enfrentamos no palácio. Essa Shadow Yukiko é a Yukiko que ela reprimiu a vida toda, e agora por causa do sequestrador a ter jogado no TV World ela precisa enfrentar sua própria sombra da qual ela se envergonha.

Como isso é um jRPG, obviamente que existe luta, a shadow de Yukiko se transforma em um monstro fora de controle (que é o que acontece quando reprimimos demais partes de quem somos), e a coisa tem que ser resolvida na porrada. Porém não é isso que resolve o problema. Meter porrada na sombra de Yukiko não vai resolver o problema porque ninguém pode resolver seus problemas senão você mesmo.

É preciso que a própria Yukiko se erga e pare de tentar esconder dela mesma esse seu lado, a sombra não é aplacada por violência... mas por aceitação. É apenas quando Yukiko aceita que isso é parte dela e que ela precisa achar um jeito saudável de conviver com aquilo que ela via como uma inimiga, como um monstro dentro de si mas é apenas parte dela mesma... é apenas então que o conflito é resolvido e Yukiko pode ser "resgatada" do TV World.

Não essa palavra!

A shadow Yukiko, uma vez aceita, volta a fazer parte saúdavel do todo de Yukiko e assim se torna a sua Persona. Yukiko passa a ser uma persona user e se junta ao grupo, porque é assim que funciona: não é na porrada que se resolve essas coisas, é no dialogo consigo mesma. Com uma ajuda dos seus amigos, porque isso que amigos fazem.

A partir do palácio resolvido duas coisas importantes acontecem: a primeira é que ela se torna membro da party, em termos mecanicos, mas mais importante que isso é que ela se torna um social link e partir daí vemos (e ajudamos, mas não tomamos o protagonismo dela) Yukiko a entender o que fazer dali pra frente. 

Ok, ela aceitou que parte dela odeia aquela cidade esquecida por Deus e tudo que ela representa, mas o que fazer com essa informação? Se organizar para empacotar as coisas e cair fora tão logo ela tenha idade para isso? Ou fazer as pazes com essa verdade dentro de si, mas aceitar as responsabilidades da vida que ela já tem em Inaba?

Não existe realmente uma resposta fácil para isso, e Persona 4 não finge que sabe as respostas realmente. Com a sua ajuda Yukiko tateia no escuro tentando entender quem ela é e o que ela quer fazer da vida, e essa é a resposta a grande pergunta de SOBRE O QUE Persona 4 é.

É sobre esse caminho confuso e turbulento da adolescencia, sobre entender quem você é e o que você deve fazer com a sua vida dali para frente. E embora existam inúmeros, incontáveis jogos sobre adolescentes, eu não acho que nunca um jogo tenha tentado tão honestamente parado e sentado para tentar entender o que ser adolescente significa.

E sabe de uma coisa, aqui, apenas entre nós? Yukiko sequer é a personagem mais complexa do jogo. Logo de cara você entende qual é a da shadow Yukiko, mas no caso da Risette waifu linda s2 eu terminei o palácio e fiquei "uadafãqui, isso... meio que não faz sentido, eu não entendi porque ISSO é a shadow dela" e é apenas levando o social link até o fim que você realmente entende sobre o que aquela shadow-Rise era realmente.

E eu não vou nem começar sobre o Kanji, que é um dos personagens mais badass/fofo/determinado/confuso da história dos videogames, e definitivamente o melhor adolescente já retratado em um videojogo. E sim, todos os adjetivos se aplicam, ele é tipo uma mistura do Mondo de Danganrompa com o Butters de South Park. Se é incompreensível que não possa datear o Yusuke em P5, você não poder datear o Kanji é abertamente um crime contra a história dos videogames. 

Eu não posso provar que isso é culpa da Sega, mas um dia vocês vão cometer um erro ao cobrir os seus rastros e nesse dia eu estarei lá para dizer "AHA! J'accuse!". Espera só, um dia eu te pego, Sega... um dia...

De qualquer forma, Kanji é um dos meus personagens favoritos de todos os tempos mesmo esse aparente estereótipo de motoqueiro de gangue sendo uma das tropes de anime com as quais eu menos me importo, mas a verdade é que em um nível ou outro não existe nenhum party member que eu não goste, e mesmo os confidants que eu não sou particularmente fã ao menos reconheço que são bastante bem escritos.

Ela fala como se isso ao menos fosse uma pergunta

Isso porque Persona 4 usa com maestria um recurso que os videogames tem em abundancia sobre qualquer outra midia existente: tempo. Um jRPG como Persona costuma ter algo em torno de 100 horas de jogo em um gameplay sem tentar ser completionista, e filme, livro ou mesmo série dispõe desse tempo todo. Toda série original de Naruto levou 5 anos para ser exibida, teve filler e encheção de linguiça nos episódios até não caber mais... e ainda sim não tem cem horas de conteúdo. 

Para um videojogo, entretanto, cem horas é uma marca bastante factível. E, nesse caso em particular, são cem horas (ou mais) usadas com maestria para passar a sensação de vidinha bucólica do interior. Curiosamente, a plataforma em que o jogo roda ajuda muito nessa sensação.

Eu já havia citado que Playstation 2 é muito menos capaz de exibir elementos na tela e sua mídia tem muito menos espaço para músicas e falas do que o seu sucessor Playstation 3, o que resulta que é que esses momentos de silêncio e falta de coisas na tela de Persona 4 passam a sensação... justamente ed uma cidadezinha bucólica do interior. Persona 4 não é estiloso, flamboiante e elegante como seu sucessor, ele passa a sensação de ser um jogo lento, vazio e bucólico... o que é justamente a sensação perfeita para esse cenário.

Lavar as mãos tá ok, mas tem que ver esse distanciamento social ae


Nesse sentido, Inaba é um setting perfeito para as limitações do Playstation 2, que no fim acabam intensificando a experiencia de viver um ano de juventude. Um ano que, apesar da premissa de resolver um mistério, não é realmente ambicioso na sua execução - mas talvez maravilhoso justamente por causa disso. Nem todas as histórias precisam ser aventuras épicas, as vezes apenas tomar seu tempo da forma certa é tudo que é realmente necessário.

E justamente por isso, no que se propõe a fazer Persona 4 é, sem dúvida, um dos melhores jogos que eu já joguei na vida. Persona 4 é um mistério de assassinato, mas é o mistério de assassinato mais feliz de todos os tempos. 

A série Persona funciona para diferentes pessoas por diferentes motivos, mas para mim o coração e a alma do jogo são os relacionamentos com nossos amigos e seus relacionamentos uns com os outros. A Equipe de Investigação pode não ter um nome estiloso como Phantom Thieves of Hearts, mas é uma família de verdade. Eu gosto de todos os membros individuais do grupo em P5, mas não tem nada como a química entre os personagens em Persona 4. 

Você cantou junto com o GIF que eu sei!


Mesmo os que eu não gosto tanto assim. Deus sabe quantas vezes eu quis dar um tapa do Yosuke por sua insensibilidade (especialmente com o Kanji, este menino é precioso e precisa ser protegido)... mas eu sei que ele não faz isso por mal. Ele pode ser um idiota, mas é o nosso idiota. E, mais importante que tudo, eu sei que ele é meu irmão e que ele ama a todos nós. Eu sei que a Chie e Yukiko tem boas intenções, mesmo quando quase me envenenaram. Amizade e amor significam aceitar seus entes queridos, mesmo quando eles cometem erros e fazem coisas estúpidas. 

E Persona 4 é todo sobre flexibilidade, amor e confiança, afinal. Sabe, as pessoas tendem a se fixar demais nesses erros pequenos e coisas estúpidas, esquecendo todas as coisas boas e altruístas que nossos amigos fazem. Como no caso do Yosuke, por exemplo, que tem uma dedicação dedicação incansável ao seu trabalho ou ajudando o Teddie... por mais que ele seja outro que volta e meia dê vontade de virar a mão na cara desse primo rejeitado do Monokuma.

I fucking hate you, Teddie...


Muitos animes e jogos tentam essa sensação de formar um vínculo com seus amigos fictícios, mas ouso dizer que poucos são tão bem-sucedidos quanto a Persona 4. Mesmo que eu fosse um escritor melhor do que sou, ainda sim seria difícil expressar exatamente porque P4 funciona tão bem, é difícil expressar adequadamente um sentimento puro e cru. 

Tudo o que posso dizer é que Yosuke, Chie, Yukiko, Kanji, Rise, Naoto e Teddie podem não ser individualmente os melhores personagens de todos os tempos (bem, o Kanji-kun é s2), eu não diria que sequer individualmente eles são os melhores personagens de Persona, mas como um coletivo, como meus queridos amigos, eles se tornam os melhores de todos. P4 é muito convincente em fazer você se sentir parte desse bando de amigos que são mais do que uma família.

Teddie... Teddie never changes...


Isso sem desconsiderar a importância de Dojima e Nanako. Seu tio detetive que cria a filha sozinho são tão vitais a P4 quanto os membros da party para tornar P4 o que ele é. Quando você é acolhido pelo seu tio, a residencia dos Dojima tem problemas bem sérios. Na verdade tem o pior tipo de problema, aquele que ninguém admite em voz alta que é um problema. 

O que torna a situação mais tocante ainda é que Nanako é uma criança pequena, e ainda sim ela suporta com um estoicismo sem reclamar que é realmente comovente. Por isso mesmo todo o seu arco na casa dos Dojima e como você muda a rotina daquela pequena família quebrada é mais do que uma história bonita... é um lar.

Não importam os atributos, se você usar outro acessório no jogo você não tem coração

Então, voltando ao tema do jogo, apenas após realizar tudo isso que eu mencionei é que você entende o que a Velvet Room representa aqui. Ao invés de uma estilosa cela de prisão com carcereiras lolis, a Velvet Room nesse jogo é dentro de um carro avançando neblina adentro.

Não tem como ver para onde esse carro vai, ou o que ele vai encontrar no caminho. Tudo que podemos ver são as pessoas que estão dentro dele, aqueles que estão ao nosso lado nessa jornada. E enquanto você estiver com as pessoas certas, meio que o destino não importa realmente. No fim das contas é a viagem que importa, não o destino.

O que, ironicamente, nos leva a questão do final do jogo - repetidamente, o único real ponto fraco de P5. E um ponto onde dá pra inverter os adjetivos e dizer que Persona 4 é absolutamente perfeito em como ele termina em seu melhor final - um final que só pode ser atingido abraçando a flexibilidade, amor e confiança. 

Com efeito, esse final me fez chorar como se eu estivesse vendo um doguinho na chuva mas não porque ele é triste ou dramático. Pelo contrário, ele me fez chorar justamente pelo quão perfeito, quão satisfatório, quão wholesome a coisa toda é. Bem, isso e por saber que meus dias hangeando com essa turminha finalmente terminaram, essa parte é realmente triste.


O que é estranho é que todas as coisas que eu reclamei no final de P5... são justamente as melhores coisas que são feitas aqui. Talvez o escopo bem menos ambicioso tenha dado tempo para focar nas partes que realmente importam. A imagem da foto do grupo no final... eu carregarei essa imagem comigo até o fim dos meus dias.

Enfim, Persona 4 é um maravilhoso jogo imperfeito. Existem inúmeras coisas que poderiam ser feitas melhores, e muitas vezes o jogo tem uma narrativa meio desajeitada e um humor que algumas vezes beira o inadequado. Não é a realização profissional e polida que P5 é, P4 é mais como um adolescente estabanado tentando encontrar quem ele é na vida - assim como seus personagens.

Mas um adolescente com coração de ouro. Agora se me dão licença, eu preciso ir lá ouvir Never More e chorar mais um pouco enquanto lembro dos dias incríveis em Inaba, a cidadezinha esquecida por Deus onde absolutamente nada interessante jamais aconteceu.


[GAMES] PERSONA 4: The Golden (ou everyday is great at your Junes)

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POSTADO EM:domingo, 9 de agosto de 2020
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[CINEMA] ESQUADRÃO SUICIDA (ou Max Reinhardt manja dos paranaue)

| sábado, 1 de agosto de 2020
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Permitam-me iniciar citando um trecho do excelente “A Jornada do Escritor“, porque entender quem foi Max Reinhardt e o que ele propunha é fundamental à natureza deste texto:
O grande diretor alemão de cinema e teatro Max Reinhardt achava que é possível criar uma atmosfera num teatro antes mesmo de o público se sentar ou a cortina se abrir. Um título bem escolhido pode iluminar uma metáfora capaz de deixar a platéia curiosa e ligada para a experiência que se aproxima. Uma divulgação bem feita pode alimentar o público com imagens e com slogans, que são metáforas para o mundo da história. Controlando a música e a iluminação da platéia, no momento em que os espectadores entram, e dirigindo conscientemente detalhes como a atitude e os figurinos dos porteiros, já se pode criar uma atmosfera específica. O público pode ser posto na situação mental ideal para a experiência que vai compartir, pode ser preparado para comédia, romance, horror, drama ou qualquer efeito que se queira criar.
Max não chegou a conhecer a internet, mas se tivesse conhecido ficaria surpreso com o quanto ela é a epitome de toda sua teoria teatral. Estou dizendo isso porque eu deveria ter assistido Esquadrão Suicida duas semanas atrás, pelo menos. Na primeira oportunidade eu cheguei a estar no shopping para faze-lo, e pensei “nah, vou esperar o dia de meia entrada”. Na segunda oportunidade eu fui no dia de meia entrada e… acabei comprando um churros e uma maçã do amor. Pareceu um negócio muito melhor a ser feito com o meu dinheiro.


E, honestamente, quem poderia me culpar? Os dois filmes do universo expandido da DC nos cinemas são um desastre de trem batendo no outro, a internet descendo a lenha no filme, e os trailers, me deixaram tão excitado quanto eu fico para fazer a declaração do imposto de renda.

Sério, eu tinha ulceras só de pensar naquela Arlequina que eu vi nos trailers. “iuhuuuuu, senhor nerd punheteiro, olha como eu sou uber gostosa e estou com a bunda de fora, bate uma aí pra mim e finge não achar ruim que isso é tudo que eu sou!“. Considerando, então, que Zack Snyder era o produtor executivo (ou seja, o cara que bate no diretor com sacos de dinheiro para que as coisas saiam como ele quer), então eu não via como esse filme poderia ser qualquer coisa que não um desfile de tédio e dor.

É aqui que entra a teoria de Max Reinhardt: as pessoas assistem aquilo que elas esperam ver, não o que elas efetivamente viram. Quando os críticos foram assistir Esquadrão Suicida, eles já estavam com suas resenhas prontinhas, devido a todo Zeitgeist de merda que cerca as produções da DC no cinema. Assistir o filme era só uma questão de burocracia. E, sendo honestos, é como a maior parte das pessoas assiste os filmes hoje em dia na era da internet.

Todo mundo já tem sua opinião formada muito antes de pisar na sala do cinema. O conjunto do cenário prévio dita o que a pessoa já vai achar do filme, e pinçar os pontos que defendem o seu lado. Max Reinhardt estava certo.

Eu me esforço o melhor que posso para não ser assim, e para julgar os filmes pelo que eles são, não para encaixá-los no que eu já decidi que vou achar deles. Mesmo assim eu sou humano, e nem sempre consigo fazê-lo. Por isso eu levei três semanas para assistir Esquadrão Suicida, e por muito pouco nem o fiz – só fui no cinema porque ainda não tem uma versão no Pirate Bay com som bom, quase assisti mesmo assim, pra você ver o quão pouco interessado eu estava em ver esse filme.

No fim eu estou feliz que o tenha feito. PORQUE PUTA QUE PARIU, QUE FILME DIVERTIDO!


O DIA QUE A WARNER QUIS O SEU PRÓPRIO GUARDIÕES DA GALÁXIA

Não é segredo que a relação da DC com a Marvel nos cinemas é igualzinha a do Quico com o Chaves. Ela vê o menino pobre (no caso a Marvel) brincando com seus brinquedos e pensa “agora eu quero isso!”, e vai lá e busca o seu. Quando a Warner/DC viu o sucesso absurdo que a Marvel fez com um grupo de heróis mambembes da octogésima divisão dos quadrinhos, vulgo Guardiões da Galáxia, pensou que precisava ter o seu próprio.

Só que, como eu já disse, a DC tem personagens muito mais conhecidos e populares para brincar do que a Marvel tem. Se a Marvel precisa fazer das tripas coração para fazer funcionar uma árvore que só fala o nome e um guaxinim Joe Pesci, metade do mundo já ouviu falar da Arlequina e do Pistoleiro (e a outra metade vive em uma dimensão em que não existe Arrow e os jogos da série Arkham do Batman). Mas não tem problema, porque a metade do mundo que nunca ouviu falar deles iria ao cinema do mesmo jeito, para assistir o Will Smith fazendo cosplay de Tio Phill e a Margot Robbie com a bunda de fora.

Assistindo o filme, você consegue ver claramente, e eu não vou tentar justificar que a edição desse filme é boa, porque ela é um desastre, onde o estúdio meteu o dedo e gritou no ouvido do diretor “deixa mais Guardiões da Galáxia!”, e onde está o filme que David Ayer fez (que, aliás, contribui muito com o zeitgeist negativo a respeito do filme com suas declarações babacas)

Só que aí uma coisa bastante interessante aconteceu: com o estúdio de um lado, querendo enfiar coisas goela abaixo como uma criança cracuda de açúcar, e o diretor do outro, querendo fazer um filme competente puxando para o outro, um filme bastante único nasceu. De uma combinação improvável de eventos, surgiu um filme que tem sua própria identidade visual.





OS PIORES HERÓIS DO MUNDO – TODOS OS DOIS E ALGUNS OUTROS CARAS


Existem algumas formas de você fazer um filme de grupos de heróis (herói no sentido narrativo, e não apenas de super-heróis), e uma delas é pegar dois personagens como protagonistas e dar características interessantes aos demais. Caralho, praticamente todo cinema dos anos 80 que ainda vale a pena ser lembrado hoje é feito desse jeito!

No caso, o Esquadrão Suicida é na verdade a Arlequina e o Pistoleiro, os outros são apenas figurantes que têm uma característica marcante e legal. Se você tem um problema com essa fórmula, então você tem um problema com Aventureiros do Bairro Proibido, Os Goonies, Caça Fantasmas e por aí vai. O puta legal Uma Aventura Lego é assim. Até o primeiro Vingadores é assim. Essa fantasia socialista de que “ai, os personagens são mal desenvolvidos porque eu cronometrei e não tem o mesmo tempo de tela para cada um mimimi” é coisa de quem passa tempo demais no Tumblr e de menos vendo filme.

Isso significa que o filme funciona na medida que os seus protagonistas funcionam. E caralho, como os protagonistas funcionam.

Bem, Will Smith é Will Smith. Se você já assistiu qualquer filme dele, sabe o que esperar do Pistoleiro, e sabe que o velho Will entrega o prometido. Não é a toa que ele é tido por muitos como a última grande estrela de Hollywood. Assistir o Will sempre é legal, a menos que você não pare para assistir quando vê que está passando MiB na Temperatura Máxima domingo. Neste caso você é uma pessoa com mais problemas do que eu sou capaz de te ajudar, sinto muito.

A outra protagonista dessa equação é muito mais complicada, a Arlequina da Margot Robbie. Eu gosto muito da personagem, mas não pelos motivos que os nerds amam a Arlequina. Os nerds adoram a Arlequina porque ela é a gostosa uber devotada que corre atrás do cara sem ele precisar fazer nada. Tipo tomar banho todos os dias, ou parar de ficar discutindo porque o Goku venceria o Superman. É uma fantasia de poder masculino para caras que não têm poder nenhum.





Eu gosto da Arlequina por outros motivos (ui, que floquinho de neve especial que eu sou, ui ui). Ela, de certa forma, me lembra bastante a Dory. Isso quer dizer que ela é uma personagem engraçada e trágica ao mesmo tempo. Engraçada porque a Arlequina é um barato (que frase de tiozão), não tem como não ver as estripulias dela e não ficar entretido. Mas, ao mesmo tempo,  ela é um personagem trágico porque, como eu já disse antes, ter um problema mental não é nada divertido.


É uma dicotomia muito difícil de atingir, e você tem que ser bom como a Pixar para entregar isso. Ou como Bruce Timm (que foi quem criou a personagem para a série animada do Batman). Surpreendentemente, a Margot Robbie se mostra uma puta atriz, e consegue fazer isso. A Arlequina dela é doida. E não do tipo “ah, que louquinha, hihihi”, não cara, a mulher é lokaaaaaa mesmo. E isso é muito divertido de se assistir, ao mesmo tempo que dá pena dela. Como a loirinha passa essas duas coisas ao mesmo tempo não pode ser considerado como nada senão bruxaria.

O fato dela usar um shortinho atochado no ovário passa inteiramente despercebido no filme. Pelo contrário, fica até orgânico dentro da personagem, porque a mulher se veste desse jeito porque ela não bate da cachola, não porque é uma fantasia de fan service de um diretor preguiçoso, que queria agradar os nerds onanistas. Nas mãos de uma direção e atuação menos competentes, a Arlequina seria um desastre da natureza de proporções ofensivas (como os trailers davam a entender que seria).

David Ayer e Margot Robbie conseguiram compor algo maravilhoso de se assistir. Se você está preocupado em não ver a Arlequina criada pelo Bruce Timm, e sim só material para uma punhetinha safada, não fique. Essa é a Arlequina e muito.

Juntos, Arlequina e o Pistoleiro funcionam com uma química incrível, em uma relação de irmãos construída ao longo do filme. Sendo o Pistoleiro o irmão mais velho protetor com alguém que você gosta, mas é pancada da cabeça. Como eu já disse, Will Smith delivers!





TÁ, MAS E OS OUTROS CARAS?


Seguindo o bom manual dos filmes de galera dos anos 80, os outros caras estão lá sólidos o suficiente para você se importar com eles, e cada cena deles é uma cereja que merece ser recordada. El Diablo é o cara zen com um passado trágico, o Crocodilo é o orc com autoestima, e o Capitão Bumerangue se leva tão a sério quanto o nome sugere – sério, ele é um cara que arremessa bumerangues, o que vocês esperavam? (saber rir de si mesmo é uma qualidade que faltava E MUITO os filmes da DC, felizmente está lá)

Regra de ouro para personagens coadjuvantes: mantenha simples, mantenha belo. Pessoalmente eu achei os outros personagens do esquadrão com o tempo de tela e a qualidade na construção corretas para você saber sobre eles, curtir suas participações e se importar com eles. Mais do que isso seria forçar a barra, e o filme administra seu tempo elegantemente.

VAMOS FALAR SOBRE O CORINGA

Assistindo os trailers você chega à inevitável conclusão de que o Coringa é o vilão do filme (ou o herói, porque é um filme de vilões, então bom é mau, ou mau é mau, quem sabe se…). Fiquei muito chocado quando descobri que não era, e pelo que parece o Jared Leto ficou mais ainda quando descobriu que ninguém tinha lhe dito que ele não seria o protagonista do filme.

Vamos lá: no filme, o Coringa é uma ferramenta de desenvolvimento para a PORRA DA PROTAGONISTA DO FILME. Você poderia achar estranho alguém reclamar tanto de um personagem secundário, que está ali para trabalhar em favor da ESTRELA PRINCIPAL, mas, então, você não saberia nada sobre nerds em geral.





Ah, meu amigo, como essa nerdaiada espumou com isso. “Ah, mas o Coringa é sagrado, divo, maravilhoso, pintudo, delicia, ele jamais poderia ser coadjuvante para uma MULHERZINHA, mesmo que ela seja A PROTAGONISTA DO FILME, porque o Coringa é Deus, ele é perfeito, gostoso, delicia, invencível, Heath Ledger era a perfeição encarnada, haakwmejhjd *nesse ponto o nerd começou a espumar, e sua fala se tornou ininteligível*


A partir do momento que você abstrai que o Coringa não é o protagonista do filme (o nerd acima continua tendo espasmos e se debatendo), você vê que a atuação do Jared Leto é… muito boa. Ele é o primeiro Coringa louco que eu vejo no cinema, e louco no sentido de que arrebentaria um Robin com um pé de cabra apenas porque sim. A intensidade da atuação do Leto é impressionante, e você tem a sensação de que, a qualquer momento, ele vai puxar um garfo e enfiar no seu olho sem motivo algum.

Vamos colocar assim: o Coringa do Heath Ledger enfiou um lápis no olho do cara porque ele queria provar um ponto, ele tinha um propósito. Esse faria isso apenas porque banana não tem caroço.

Isso se reflete em sua relação doentia com a Arlequina. Ele gosta dela… do jeito dele. Ou seja, se importando absolutamente nada com o bem-estar físico dela, e menos ainda com o bem-estar psicológico dela. Ele a trata como um objeto, ao mesmo tempo que gosta dela, relacionamentos abusivos são difíceis de retratar, e acho que o filme acertou no prego com esse daqui. Em contrapartida, a Arlequina ADORA ser tratada justamente dessa forma, e em um filme menos inspirado isso poderia parecer como uma forma de glorificar o abuso e a violência contra a mulher.

Não fosse o fato, que já ficou bastante estabelecido, de que a Arlequina é doida de pedra, e um personagem trágico. Ela gostar disso não é apologia a nada, é uma construção do quão problemática ela é. Tenho pesadelos que envolvem alguém com a maturidade do Zack Snyder tentando mostrar um relacionamento assim, mas o triunvirato do diretor e dos atores passou com louvor em um teste muito complicado.

O relacionamento deles é mostrado em uma oniricidade que jamais funcionaria de outra forma, sem contar o show no uso de referencias. ASSIM é que se usa uma referência, cazzo!

Só uma coisa, Jared, meu chapa, meu brodi. Se tu for continuar fazendo filmes como o Coringa… larga essa risada de mão. Sério, parece o Carlos Alberto de Nobrega, e aí fica difícil. Serinho mesmo, com o Cazalbé de vilão não dá!






Se a Amanda Waller é ruim? Digamos que o Temer não aceitaria ser vice dela…

AMANDA WALLER E A EDIÇÃO SUICIDA

Esquadrão Suicida é uma clássica jornada de heróis improváveis que são forçados a trabalhar juntos e, no calor dos eventos, acabam se tornando uma equipe de verdade. O filme não inventou a roda, mas a executa magnificamente bem. Nenhuma decepção aqui.

O problema vem contra o que eles estão se unindo, porque esse é o aspecto mais fraco do filme. Ou melhor dizendo: é um bom aspecto do filme, que parece fraco por causa da edição ruim e confusa.

Vamos lá: o que é o Esquadrão Suicida? Um grupo que o governo pode usar (e descartar) quando precisa fazer coisas pelas quais não quer dar satisfações aos heróis. Quando tem uma treta, e você não quer chamar o Batman, porque precisaria explicar para ele o tamanho da MERDA que você está  metido, então você usa o Esquadrão Suicida. No papel, o filme é sobre isso.

O governo fez uma cagada sem tamanho, e agora manda um bando de malucos para apagar o incêndio, porque cairia a casa deles ter que explicar para o mundo o que aconteceu. Essa coisa de salvar o mundo e raio azul da destruição (parece que os filmes de herói tem um tesão inexplicável por raios azuis, que sobem ao céu e destroem o mundo) não era parte do plano original do governo.

Então, uma critica que se faz ao filme é que “esse nível de treta não era missão para o Esquadrão Suicida. Se era algo tão sério, cade os heróis fodões da DC?“, mas o filme mesmo explica porque estão lá um maluco que arremessa bumerangues, e outra cujo super poder é ser biruta, ao invés do Lanterna Verde e da Mulher Maravilha. Está lá, o filme é coerente.


“Vudu é pra jacu” – Pau, P.

Só que está embaixo de uma camada de edição tão confusa e mal polida, que fica difícil ver isso. A história é contada certinha, mas ela foca nas coisas erradas, de forma que é muito fácil passar batido que a história está mesmo sendo contada certinha. Eu poderia dizer que eu percebi isso e a maioria das pessoas não, porque eu sou foda pra caralho, mas a verdade, muito menos épica para mim, é que isso se deve mais porque o filme é mal montado mesmo.

A vilã do filme, Magia, tem um visual incrível no começo… Mas, então, segue uma trilha de escolhas ruins por parte da direção. Não é muito fácil entender o que ela está fazendo (alguma coisa, raio azul, fim do mundo, alguma coisa), e sua motivação é dada em uma única fala. Piscou, perdeu. Mas tudo isso empalidece diante do fato de que ela se resume a ficar fazendo uma dancinha de globeleza e cosplay de Zuul (sim, dos Caça-Fantasmas).

Para alguém que poderia ser descrita como a Feiticeira Escarlate vudu, é de um desperdício sem tamanho. No começo eu realmente desejei que o Coringa fosse o vilão do filme, demorou bastante até entender o que estava acontecendo, e porque estava acontecendo. Quando eu entendi, já no terço final do filme, eu pude soltar um “ah, ok”. Mas, infelizmente, é algo que está perdido na montagem ruim do filme. Se Ayer e seus editores tivessem deixado essa parte redondinha, o filme fluiria muito melhor. Infelizmente não é o caso, e Esquadrão Suicida engasga para te fazer entender o que está acontecendo, e porque está acontecendo.

A principal coisa que impede que o filme desande inteiramente é a idealizadora do projeto Esquadrão Suicida, Amanda Waller, em uma interpretação brilhante de Viola Davis. Sério, refaçam Batman vs Superman e coloquem essa mulher como Lex Luthor, porque é exatamente do que precisamos!

Tem uma cena do Doutor do Tennant em que ele mesquinhamente derruba a primeira ministra da Inglaterra usando apenas cinco palavras. Amanda Davis é esse tipo de pessoa. Se ela quiser ela faz o Super-Homem lavar a louça dela usando dez palavras ou menos, tanto porque ela tem uma carta na manga para toda situação, quanto porque a Viola Davis transmite esse tipo de sensação.

Se ela te mandar ir embora plantando bananeira, você apenas vai. Apenas vá, mesmo, vai ser melhor para você assim.




Vem (eu disse vem), vem pra ser feliz (pra ser feliz), eu to no ar to com a DC, eu to que to legal! 
Na tela do cinema no meio desse povo, ao menos não é filme do Snyder de novo!

COMEÇOU COM UMA PIADA QUE FEZ O MUNDO TODO RIR

Esquadrão Suicida não vai ganhar nenhum Oscar, porque o filme é apinhado de defeitos. Da montagem ruim à trilha sonora, que parece que foi feita por uma criança que acabou de descobrir o Spotify, mas no geral é um filme bastante divertido de se assistir. Nascido de uma forma improvável da bagunça que é a direção de cinema da DC/Warner, Esquadrão Suicida é um filme que adquiriu sua própria identidade e funciona.

Seja por causa do carisma e da puta atuação dos atores, seja porque ele acerta quando ser épico e quando não se levar a sério, seja porque eu não estava esperando mais absolutamente nada da DC depois da bomba de desgraça e dor que foi Batman vs Superman, ou seja porque o Croc é um cara bonitão. Não é tão bem polido e bem feito quanto Guardiões da Galáxia, mas certamente não é um membro estranho da família.

E se um filme é divertido de assistir, se você sai do cinema dizendo “bah, que filme legal!”, então ele é divertido de assistir, oras! O que mais importa?

[CINEMA] ESQUADRÃO SUICIDA (ou Max Reinhardt manja dos paranaue)

THE STORY SO FAR: Permitam-me iniciar citando um trecho do excelente “ A Jornada do Escritor “, porque entender quem foi Max Reinhardt e o que ele propunh...
POSTADO EM:sábado, 1 de agosto de 2020
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