Onde a magia acontece

[SÉRIE] 3% (ou Max Reinhardt ataca novamente)

| sexta-feira, 31 de julho de 2020
... TO BE CONTINUED »

Imagine que você está lendo “Revolução dos Bichos” sem o contexto de saber a história do comunismo. É só uma fabula bonitinha, mas completamente esquecível. Ok. Agora, quando você sabe que Orwell esta falando sobre nossos camaradas vurska-vurska, a percepção do texto muda radicalmente. Quando você sabe, então, que Orwell escreveu um relato preciso sobre a ascensão e queda do comunismo ANTES dela acontecer, o homem se torna uma lenda.

Então uma obra não é só ela, e sim o contexto ao redor dela.

E se isso pode ser usado para realçar positivamente uma obra (como no caso citado), também deve ser levado em consideração o contrário. Algumas obras nascem tendo que ser 125% melhor do que precisaria ser para que o público não vire a cara para elas apenas pelo contexto em que foram criadas.

Esquadrão Suicida, por exemplo, já começa o jogo perdendo de 1×0, porque pouca gente dissocia o filme da quizumba grotesca que são os filmes da DC/Warner. E não ajuda que o filme não se ajude, claro. Mas, como eu disse na época, Max Reinhardt manjava dos paranauê.

 
Santa mãe de Raava...
Por esse mesmo contexto, 3% já começa a partida no coração dos nerds perdendo de 2×0 fora de casa na partida de volta. Isso porque, por a série ser brasileira, a nossa rabugentice de quem aturou tanta merda desse país põe as mangas de fora para se vingar, mesmo um pouquinho que seja. “Ah, é BR? Então tem que ser 250% melhor só para eu achar bom” é o sentimento vigente.

E tal qual Esquadrão Suicida, puta merda, como 3% não se ajuda também. Porque, sério, puta que pariu em chamas bebezões gigantes, que coisa pavorosamente tosca é o primeiro episódio da série. Os figurinos tentam criar uma “favela futurista”. Parecem rejeitos da produção de “Os Mutantes” da Record. As atuações dão vergonha. Parece que os atores estão absolutamente constrangidos de estarem ali (com exceção do experiente ator João Miguel, o melhor ator da série). E assim ladeira abaixo.

É ruim, muito ruim.

Vê, muitas séries consagradas têm um começo muito ruim também. Buffy tem uma primeira temporada tão desencontrada, que você quase consegue sentir o Joss Whedon por trás das câmeras gesticulando desesperadamente para os atores “vai, vai!”. Jared Padalecki tem uma cara de “puta merda, que bosta que eu fiz de largar Gilmore Girls” nos primeiros episódios de Supernatural. Mesmo as grandes séries levam um tempo para se encontrar, é parte do processo natural das coisas.
Exceto, claro, quando você não tem a chance de errar, porque o público já chega em você com duas pedras nas mãos. Pouca gente supera a primeira impressão hedionda dos primeiros episódios constrangedores de 3% porque é brasileira, com muito orgulho e muito amor. Se fosse uma série canadense, teria uma segunda chance – afinal todos amam o Canadá.

 O que realmente é uma pena, porque, passada essa primeira impressão miserável, a série acaba se encontrando no meio do caminho. Não é genial, nem revolucionaria, mas boa.

Baseada em uma série de curtas, 3% é sobre um futuro pós-apocalíptico onde todo mundo – uma única vez na vida – pode participar de um tipo de “Jogos Vorazes” para ir morar na última cidade “boa” que restou – o Maralto. Apenas 3% passa no teste.

Vai, sem dizer que “os testes” são a coisa mais interessante de se assistir no programa. São provas interessantes e bem boladas, e progressivamente brutais em sua sanguinolência. E é aqui que vem a grande sacada da série, o que a diferencia como “distopia teen” entre tantas outras: é a progressividade da violência dos testes.

A principio você pensa “ok, é bom pegar pesado para separar o joio do trigo”, mas com o decorrer da série os testes vão “pegando tão pesado” que você começa a desconfiar que isso não vai selecionar “cidadãos ideais” porra nenhuma. Que tipo de sociedade utópica eles estão pretendendo manter ali, selecionando as pessoas desse jeito?

 Agora, olha só que legal: a série pensou nisso também, e o próprio sistema ser colocado em cheque não é coincidência, mas um tema abertamente explorado. O que a sociedade utópica de Maralto quer realmente, e como o sistema de seleção dos 3% funciona, conversam de uma forma muito inteligente.

Ao contrário do que possa parecer, 3% não tenta forçar ser uma critica social ou pregação de nenhum tipo. Você sabe, experimente dizer a palavra “meritocracia” em um raio de 500m de qualquer faculdade de humanas no Brasil e depois me conte os resultados. Pois é.

Qualquer conclusão política ou social que você tirar da série, serão conclusões que você chegou por conta própria, e não porque a série martelou vergonhosamente na sua cara – como a boa ficção deve fazer.

O roteiro é bom, entrega personagens com vários ângulos e algumas reviravoltas importantes. Só que demora a chegar lá — pouca coisa nos primeiros episódios não é sofrível – e as atuações nem sempre correspondem à complexidade exigida. Em mais de uma oportunidade passam longe. A construção do mundo é bastante interessante, mas possui furos de lógica crassos.

Mas essa maquiagem e figurino... ugh, a dor...
Então a série merece ser assistida? Sim. É ok, como muitas séries são apenas ok em sua primeira temporada. É dolorosamente ruim em algumas coisas (eu recomendaria a eles pegarem bem mais leve nas “reviravoltas” de personalidade dos personagens), mas tem ideias interessantes em outras. Talvez melhore, talvez não.

De qualquer forma, merece mais oportunidade do que as patadas que vem levando da critica. Mas é. Porque uma série não é só uma série e sim todo o contexto ao redor dela. E nesse caso o contexto é um complexo de vira-lata que pega bem pesado. Ou “eu te disse”, diria Max Reinhardt.



[SÉRIE] 3% (ou Max Reinhardt ataca novamente)

THE STORY SO FAR: Imagine que você está lendo “ Revolução dos Bichos ” sem o contexto de saber a história do comunismo. É só uma fabula bonitinha, mas c...
POSTADO EM:sexta-feira, 31 de julho de 2020
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SUPERHOT (ou shooter mais inovador que eu joguei em anos)

| sexta-feira, 10 de julho de 2020
... TO BE CONTINUED »
Quando você nomeia seu jogo como
SUPERHOT, esse é o tipo de resultado
de busca que aparece. Sério gente, vamos
chamar os jogos de ijqwiqiejhieh que seja
fica muito mais fácil pesquisar a respeito.
Em 1995 a Konami lançou o mais inovador jogo de futebol de todos os tempos até então. Para você ter ideia de como International Superstar Soccer era bom, até 1995 diversas empresas lançavam diversos jogos de futebol o tempo todo. Após 1995 as outras empresas simplesmente desistiram, não tinha mais como competir com ISS (a exceção de FIFA, da Eletronic Arts).

Com efeito, passados mais de 20 anos existem apenas dois jogos de futebol sendo produzidos anualmente: a série FIFA da EA e os Pro Evolution Soccer (que é como a série de ISS se chama hoje) da Konami.

ISS tinha diversas características únicas entre elas customizar os uniformes, ter jogadores com visual único (eu iria dizer que você pode reconhecer Alex Lalas dos EUA ou o Valderrama da Colombia, mas todas as outras pessoas que lembrariam destes nomes já devem ter morrido de Alzheimer) e diversas outras coisinhas que sempre sonhamos mas nunca tínhamos tido a chance de executar. E sim, eu passava horas mudando os nomes dos jogadores para de personagens de animes, está bem?

Uma dessas inovações era o modo de jogo "Scenarios", que me deixou fascinado na época. "Scenarios" não era uma partida inteira, era uma situação de jogo muito especifica que você tinha para reverter a partida. Tipo falta contra seu time faltando 30 segundos para terminar o jogo, você deveria roubar a bola e fazer um gol de contra-ataque.

Como o tempo era curto, acabava virando muito mais um puzzle do que um jogo de futebol em si, tanto que saiam dicas na Ação Games de como vencer os scenarios. Eu achava absolutamente incrível que dentro de um jogo de futebol houvesse outro jogo completamente diferente de outro gênero até usando a mesma mecânica.

Algo tão único que eu jamais voltei a ver isso novamente em um jogo. Até 21 anos depois.
SUPER. QUENTE. SUPER. QUENTE. SUPER. QUENTE.

O MUNDO SE MOVE QUANDO VOCÊ MOVE

SUPERQUENTE (com letras maiúsculas mesmo) é um jogo de tiro em primeira pessoa com uma premissa muito diferente: o jogo só anda quando você anda. Suponhamos que um inimigo disparou uma bala em você, certo? A bala vai ficar ali, paradinha no ar enquanto você ficar parado. Se você der um passinho para o lado, a bala anda um pouquinho. Se você continuar andando, a bala continua andando. Isso vale para tudo no mundo: tiros, inimigos, objetos arremessados... e é isso, não tem muito mais coisa no jogo também.

Isso significa que ao contrário do que possa parecer (visão em primeira pessoa, armas, América Fuck yeah), o jogo não é um jogo de ação e sim um puzzle game. Isso quer dizer que cada movimento seu deve ser friamente calculado para você matar o maior número de inimigos com o menor número de movimentos possíveis.  Isso quer dizer que o jogo é muito mais Sherlock Holmes (os filmes, não a série) do que Matrix realmente.

E sim, eu sempre imaginei que quando o Chapolin dizia isso existia de fato uma central calculando todos os movimentos dele friamente e que um dia essa equipe iria aparecer.

Para vencer o mal e espantar o temporal você tem poucas opções: atirar (ou socar, se estiver sem armas), arremessar coisas e mais pra frente no jogo você pode "possuir" avatares inimigos. Por algum motivo que apenas Amaterasu entende, todos os inimigos do jogo arremessam suas armas ao menor contato físico com qualquer coisa, de modo que socar e arremessar objetos são ferramentas uteis para conseguir armas. E também porque arremessar objetos é muito mais rápido do que disparar, não faço ideia de que tipo de arremesso é mais rápido do que uma bala, mas enfim.

O resultado final é esse:


Parece muito incrível, não? Soca um cara, arremessa um objeto no cara armado ali atrás antes que ele dispare, pegue a arma dele ainda no ar, pula em cima do terceiro, arremessa a katana no quarto... vendo o replay do jogo (que rola depois da missão, sem as pausas) realmente parece muito incrível e ocê de fato se sente SUPERGOSTOSÃO, mas o grande truque de magica aqui é que isso não nasceu fruto de habilidades coreanas e reflexos de tungstênio, você teve todo o tempo do mundo para calcular e prever os movimentos - e por isso SUPERHOT é muito mais um jogo de estratégia do que ação propriamente dito.

Mas você se sente gostosão como se fosse um jogo de ação vendo o resultado final, o melhor de dois mundos!

NA REALIDADE VIRTUAL NINGUÉM PODE TE OUVIR GRITAR

Eu não vou falar sobre a história do jogo, apenas não vou. Quando muito vou copiar aqui o que a revista TIME mencionou a respeito e já explico o porque:



Sério gente, olha o que chamar o seu jogo de
SUPERHOT causa
O maior problema com o jogo é bastante simples, mas não menos terrível por conta disso: você termina o jogo em menos de duas horas.  O que para um videogame é simplesmente absurdo! A sensação que passa é que uma ideia original tremendamente divertida, mas apenas o beta dela.

Se o jogo em seu visual parece realmente uma versão beta de um jogo conceitual e na própria história dentro do jogo ele é tratado assim (o jogo é sobre você estar jogando um jogo, basicamente), mas a verdade é que ele passa a sensação de que você realmente pagou R$40,00 por uma demo.

Ao terminar o jogo eu fiquei com a sensação de "uau, que ideia incrível, mal posso esperar para vê-la em  um jogo de verdade!" e isso não é uma coisa boa. A variação de uma fase para outra é bem pequena, quando não inexistente, a interação com o cenário é zero (arremessar um cinzeiro ou uma televisão de tubo dá no mesmo) e as formas de matar os inimigos são repetitivas (tem uma fase que se passa na plataforma do metro e não tem como você empurrar os caras para os trilhos, pode isso Arnaldo?).

Superhot parece um teaser para uma campanha no Kickstarter - uma que eu totalmente apoiaria, a ideia do jogo é realmente ótima - mas como produto final não posso dizer nada senão que fiquei decepcionado.

#cholaotaku: Katanas parecem incríveis, mas como qualquer
arma branca só servem para você conseguir uma arma de
verdade.
QUANDO A VIDA TE DER LIMÕES...

A melhor comparação que pode ser feita é com Portal: ambos podem parecer um FPS em estrutura, mas na verdade são puzzles baseados em uma ideia inovadora.

Veja, você pode pegar uma ideia única e fazer um jogo inteiro em cima dela. Mas você tem que adicionar outras coisas além de uma ideia inovadora - Portal tem a GLaDOS e seu senso de humor único, por exemplo, além de explorar ao máximo a ideia da arma de portais.

Quando você termina Portal, você está plenamente satisfeito com a experiência, você sente que foi feito tudo que podia ser feito com a ideia de ter uma arma que cria portais. Quando você termina Superhot você se sente... frustrado.

E eu realmente espero que a "versão completa" exista um dia, porque é uma ideia muito divertida para morrer nesse pequeno teaser. Até porque eu passei mais tempo escrevendo sobre o jogo do que jogando ele, algo errado não está certo.


SUPERHOT (ou shooter mais inovador que eu joguei em anos)

THE STORY SO FAR: Quando você nomeia seu jogo como SUPERHOT, esse é o tipo de resultado de busca que aparece. Sério gente, vamos chamar os jogos de ijqw...
POSTADO EM:sexta-feira, 10 de julho de 2020
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